Desde a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, analistas políticos - inclusive os que já desempenharam papéis importantes em governos petistas - apontam a importância de o presidente abordar temas delicados apenas em discursos lidos.
Na sexta-feira (27), Lula voltou a falar de improviso e colher resultados negativos. O curioso é que a parte, digamos, numérica, de suas declarações, teria sido até bem aceita, porque os supostos déficits alternativos citados por ele estão abaixo das projeções de mercado. O problema ficou em quatro palavras: "não precisa ser zero", referindo-se à meta de eliminar o déficit primário no próximo ano.
O fato de a declaração ter sido feita às vésperas da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) que deve anunciar mais um corte de 0,5 ponto percentual no juro básico, de 12,75% para 12,25%, adicionou algum suspense. Nada que mude a dosagem prevista, principalmente depois da leitura positiva do IPCA-15 de outubro, que subiu comportados 0,21% e teve componentes internos tranquilizadores.
Porém, ai, porém - como já disse o compositor Paulinho da Viola -, vai ser preciso saber o que ecoou mais nos ouvidos do Copom: as palavras ou os números. Se as primeiras foram péssimas, os segundos foram ótimos. O presidente disse:
— Se o Brasil tiver um déficit de 0,5%, o que é? De 0,25%, o que é?
Se isso quiser dizer que, para Lula, o maior déficit tolerado é de 0,5% em 2024, o Copom vai até aplaudir. Como a coluna já lembrou, a estimativa mais recente é de 0,75%. E havia caído no boletim Focus da semana passada, porque na anterior estava em 0,83%. Ou seja, antes da fala da sexta-feira (27), o mercado havia melhorado sua expectativa em relação déficit de 2024. Como sempre é bom lembrar, o Focus traz as projeções citadas entre uma centena de instituições financeiras e consultorias econômicas.
A coluna já ouviu de um economista que foca sua análise nos números presentes, não na avaliação do passado, uma explicação para a importância da meta de déficit zero: se o governo não tiver esse compromisso, dado um passado recente de excesso de gastos em governos petistas, o mercado pode projetar o rombo em 1,5%, o que seria desastroso para a dívida pública. A coluna repete um trecho de entrevista recente de Braulio Borges na seção Respostas Capitais que ajuda a entender esse raciocínio, assim como o dano potencial das declarações de sexta-feira:
— A decisão (de meta de déficit zero) foi correta, porque o arcabouço já não é uma regra fiscal muito bem desenhada, assim como não era a do teto de gastos. Se já no primeiro ano mudasse a regra, seria muito ruim para a credibilidade. É verdade que o mercado não acredita no déficit zero, aposta em algo como 0,8% (do PIB, o que significa algo perto de R$ 80 bilhões). Mas tem um bônus. Se não for 0,25% (com a margem de tolerância prevista no marco fiscal), mas entre 0,4% e 0,5%, vai ficar claro que houve esforço e o governo tende a ser premiado, do ponto de vista de mercado, o que significa menos pressão no câmbio e no juro longo. Longe de mim ter posição fiscalista ultraortodoxa, mas o Brasil precisa de um superávit primário de 1% para manter a dívida pública estável. Quanto mais tempo ficar abaixo disso, mais a dívida continua subindo.