Alexandre de Ázara se tornou economista-chefe do UBS no Brasil depois da compra do Credit Suisse pelo maior banco da Suíça, que passou a unificar operações pelo mundo. No dia 25, estará em Porto Alegre para uma palestra fechada do Instituto de Estudos Empresariais (IEE) sobre perspectivas econômicas. Com nem todos poderão acompanhar, a coluna antecipou sua visão sobre o tema, que é reconfortante. Ázara avalia que, se o rumo econômico dado pelo atual governo não é "virtuoso", também não é "desastroso". Aponta "má vontade" no mercado com políticas econômicas petistas e diz que o debate fiscal está "um pouco neurótico".
Por que o mercado reagiu mais a especulações sobre juro nos Estados Unidos do que à guerra em Israel?
O movimento dos juro de longo prazo nos EUA nos últimos 60 dias ocorreu porque o medo fiscal aumentou, além de a economia ter mostrado mais resiliência. A inflação não surpreendeu, e o PIB cresceu acima do previsto. A tese do UBS, para o mundo e para o Brasil, é de que a inflação de bens está contida. Em março, nossa projeção de inflação para o Brasil era de 5,1%, enquanto a do mercado ficava entre 6% e 6,5%. No ano passado, havia quem sustentasse que a inflação era de oferta, então não precisava combater (com aumento no juro), e dizíamos que o juro tinha de subir para segurar o efeito secundário. Nos últimos meses, dizem que a inflação é só de demanda de serviços. Parte da surpresa inflacionária positiva veio com a normalização da inflação de bens. Isso é um fato. Não cremos em 'alta infinita' do juro americano, acreditamos que o Fed comece a reduzir em 2024.
Qual seria o efeito desse cenário no Brasil?
O Banco Central sinalizou fortemente que haverá mais dois cortes de 0,5 ponto percentual neste ano. Acredito que serão três, até o início de 2024. Existe certa predisposição no mercado de acreditar que vão fazer o pior. Não estou dizendo que é virtuoso, mas não é horroroso. No final de dezembro, o juro no Brasil deve estar em 11,75%, maior do que o do México, que tem inflação maior (6,08% no acumulado em 12 meses até a prévia de setembro). Então, estamos com inflação menor e juro maior, e nada relevante deve mudar. Provavelmente, em janeiro tenha mais um corte de 0,5.
E depois?
Aí, em março, temos de decidir se vamos ficar com o juro abaixo do México ou não, com inflação menor do que a deles. Conforme o BC, se a inflação estiver na meta, o juro tem de voltar a ser neutro (não contracionista, como agora). Se for assim, o juro neutro tem de caminhar para 4%, e a Selic, para 8% em 2024. Claro que se o Fed adotar a 'alta infinita' (juro alto por longo período), pode reverter esse cenário. Mas estamos em posição relativamente confortável. Parar em 10% parece ser conservador. Tem muito estoque de posição no mercado financeiro, muita gente atuando com redução de risco, passando por processo de stop loss (freio nas perdas).
A produção agrícola melhorou 30%. Foi um maná, um evento fortuito positivo, que aumentou o PIB e diminuiu a inflação de alimentos.
Neste ano, o mercado teve várias surpresas positivas, no PIB e na inflação. Os modelos estão errados, ou falta monitoramento da atividade agropecuária?
Precisamos voltar um pouco atrás. Depois da mudança de política econômica do governo Dilma, a relação dívida/PIB subiu 20 pontos, o PIB caiu 7% e a inflação foi de 5% para 10%. Isso gerou redução de investimentos e queda de produtividade, o que significa queda no PIB potencial (capacidade de crescimento sem pressão inflacionária). Foi uma mudança muito ruim, gerou uma recessão específica do Brasil, que outros países não tiveram.
Foi superado?
Os governos seguintes melhoraram a parte microeconômica, e o investimento voltou a crescer. Foi o que motivou surpresa positiva no PIB nos anos anteriores, mas não em 2023. Neste ano, a produção agrícola melhorou 30%. Significou mais exportações e não pressionou outros fatores. Foi um maná, um evento fortuito positivo, que aumentou o PIB e diminuiu a inflação de alimentos. Haverá desaceleração no próximo ano, mas como exportação não paga muito imposto, haverá queda pequena na arrecadação. Agora, só usar os modelos, sem 'arte', não vai dar o melhor resultado.
O mercado diz que se não for zero vai dar ruim, mas é mentira. O temor é de que, se a meta não for zero, tenha déficit de 1,5%.
Qual é a perspectiva da situação fiscal do Brasil?
Esse debate está um pouco neurótico. Na minha opinião, o novo arcabouço é uma regra de gastos disfarçada. E esse é seu grande mérito. Entendo que, politicamente, o PT não podia explicitar dessa maneira, aí fez uma regra de gastos disfarçada de meta de resultado primário. No Focus (boletim do BC com as projeções mais frequentes do mercado) a projeção é de déficit de 0,8% em 2024, enquanto a meta é zero. O Ministério da Fazenda acha que é possível fazer zero. A equipe teme que, se não for isso, vai dar ruim.
O mercado também não vê assim?
O mercado diz que se não for zero vai dar ruim, mas é mentira. O temor é de que, se a meta não for zero, tenha déficit de 1,5%. Com ou sem déficit zero, mudando ou não a meta, a regra de gastos permanece. Só pode gastar o que arrecadar. Normalmente, a arrecadação cresce mais do que o PIB. Se o PIB sobe 2%, a receita cresce de 3% a 4%. Se o déficit for zero, o Brasil volta a ter grau de investimento (entra no famoso "clube dos bons pagadores", com redução no custo da rolagem da dívida). Se gastar menos do que o aumento da receita, já é um avanço. Essa discussão está travestida.
O mercado tem uma espécie de trauma?
É um pouco isso. Estou menos pessimista. Há um pouco de exagero, parece que acabou o mundo. Havia temor de que o regime fiscal fosse muito ruim. Não foi. Há muita desconfiança de que o comportamento mude para pior. É uma espécie de medo de traição. Tenho tentado julgar pelas ações. E a equipe econômica tem entregue a contento. Eu faria diferente? Faria. Mais aperto nos gastos seria melhor. Mas não estão nem de perto fazendo o pior que se temia.