Economista-chefe da Austin Rating, a maior agência brasileira de análise de risco de crédito, Alex Agostini teve dias agitados nas últimas semanas. Houve aumento da nota da Fitch, ao qual se seguiu melhor de expectativa da própria Austin - que já tem nota um degrau acima das três gigantes globais - já no clima da maior tensão pré-Copom da história recente do país. Enquanto o mercado se dividia entre projeções de corte de 0,25 ou 0,5 ponto percentual, Agostini fez um diagnóstico afiado: "corte de 0,25 é para o Fed". Claro, considerava as circunstâncias, com a taxa real de juro do Brasil em quase 10%, enquanto o BC dos EUA elevava a taxa para 5,5% para uma inflação de 4,8% - ou seja um juro real que mal se consegue ver.
Por que se fala em "surpresa" no corte de 0,5 p.p. na Selic?
É preciso olhar para trás. O governo federal elegeu o BC para ter uma queda de braço. Isso é natural em começo de governo com viés mais populista, usar tema mais sensível à opinião pública. Quando o presidente fala 'o juro tem de cair', talvez não quisesse briga direta com o presidente do BC, mas jogar para a torcida e buscar apoio da população, que se reflete em apoio no Congresso. É óbvio que o presidente de um BC com autonomia precisava se manter austero e preservar a instituição. Em junho, já havia condições concretas para reduzir. Só que, como em maio o Copom havia até ameaçado subir o juro, todos se acautelaram. Revisando todos os fatores determinantes - inflação, fiscal, câmbio - e com o juro real muito elevado, só não cortou em junho por preciosismo.
O BC teria errado se cortasse 0,25 p.p.?
Não ter reduzido em 0,25 p.p fez com o BC ficasse atrás da curva. Tanto da inflação, que já havia caído muito, quanto em relação ao juros futuros, que se reduziram bastante. Os indicadores já estavam 'pedindo queda' há algum tempo. Havia espaço, e o BC não fez para resolver a questão da queda de braço institucional. A 'surpresa' foi porque o mercado em geral se foca no que o BC 'vai' fazer, não no que 'deveria' fazer. A maioria se pautou mais pela sinalização do que pelos fundamentos e as determinantes, como a necessidade de alinhamento do juro real com o juro neutro. Quando se olha o cenário e os fatores fundamentais, o corte precisava ser de 0.5 p.p. Se fosse menos, seria um erro. O BC teve um excesso de preciosismo para neutralizar uma interferência política.
Vamos ver cortes de 0,5 até o final de ano?
O dólar subiu e, com a alta do petróleo, a inflação pode ficar um pouco maior se houver reajuste de preço dos combustíveis. Pode ser compensado pela redução nos preços de alimentos, vestuário, medicamentos, que estão caindo.
Até meados de 2024. Hoje, estamos passando por um ajuste no mercado global em decorrência da perda da nota de crédito AAA dos Estados Unidos definida pela Fitch. O dólar subiu e, com a alta do petróleo, a inflação pode ficar um pouco maior se houver reajuste de preço dos combustíveis. Pode ser compensado pela redução nos preços de alimentos, vestuário, medicamentos, que estão caindo. Então, se esse outro lado neutralizar essa força, não tem dúvida de que cortes de meio ponto podem continuar.
Não há chance de subir para 0,75 ou até 1 ponto?
Só se a inflação derreter muito, até como resultado de uma forte desaceleração da atividade econômica, acima do esperado.
É o ponto em que a taxa real começa a encostar no juro neutro, que para o BC está entre 4,5% e 5%. Esse é ponto em perde o sentido a transferência de recursos de investimento do setor produtivo para o setor financeiro.
E a que ponto pode chegar a Selic no fim do ciclo de baixa?
Vejo chegando a 9% no final de 2024. É o ponto em que a taxa real começa a encostar no juro neutro, que para o BC está entre 4,5% e 5%. Esse é ponto em perde o sentido a transferência de recursos de investimento do setor produtivo para o setor financeiro. Quando o juro real é muito elevado, como agora, as empresas vão ter parte do lucro mais focada no retorno da atividade financeira do que na sua atividade fim. Quando se traz o juro real perto do neutro, estimula as empresas a investirem em produção. Olhando o cenário prospectivo, para o final de 2024, dado o cenário internacional carregado de incertezas, é o melhor que pode ocorrer.
A The Economist publicou artigo em que pergunta se o Brasil voltou a 'decolar', é o caso?
É bom lembrar que a Economist foi mudando de posição em 2013, 2015, 2021. O Brasil não está decolando. Para fazer essa analogia, temos de reconhecer que o Brasil é um Boeing, tem economia gigantesca. Mas ainda está passando por manutenção, porque sofreu muitas turbulências na última década, sofreu muito de 2013 para cá. Já se criou a condição de levantar, mas não para um voo de cruzeiro. Será mais de reconhecimento de terreno, um voo de teste. Vai, sobrevoa e olha a situação no radar para tomar medidas preventivas e corretivas.
A Austin Rating melhorou a perspectiva para o crédito para o Brasil, de neutra para positiva, o que indica potencial aumento da nota. Do que depende a volta ao "clube dos bons pagadores"?
Não basta aprovar o arcabouço e pendurar a lei em um quadro. É preciso colocar na mesa e fazer andar. E por mais que o governo resista, vai ser preciso fazer concessões, privatizações, reduções de despesa.
As agências de classificação de risco têm de ser movidas por fatores extraordinários ou estruturais. A pandemia foi extraordinária, e reformas, como a tributária e o arcabouço fiscal tendem a mudar de forma estruturante a economia. Nesses momentos, somos convocados a agir, emitir opinião, assim como vai ocorrer se for adotado uma medida que triplica os gastos. Já temos um novo bom fator, que é a redução do juro, que havíamos incluído no relatório (que baseou a melhora de perspectiva). E houve contribuições, também, das reformas previdenciária e trabalhista, que ajudaram a dar mais equilíbrio às contas públicas. Com arrecadação extra projetada pelo governo e possível maior crescimento, a despesa se mantém sob controle - se caísse, seria melhor - e não tem descontrole.
O que falta?
Colocar essas medidas em prática. Hoje, o que temos é a intenção do governo de compromisso fiscal. Mas aí vem a fábula da galinha e do porco. A galinha propôs abrir um restaurante que se chamaria Pernil com Ovo. Aí o porco não concordou, porque ele estaria comprometido, e ela, envolvida. No governo, não basta ter intenção, tem de se comprometer. Não basta aprovar o arcabouço e pendurar a lei em um quadro. É preciso colocar na mesa e fazer andar. E por mais que o governo resista, vai ser preciso fazer concessões, privatizações, reduções de despesa. O que temos de diferente é que a maior parte do mercado estava descrente de que seria possível trazer a inflação para dentro da meta. e na Austin, acreditamos nisso há algum tempo. E só porque essa política monetária não era apenas 'contracionista', estava 'altamente contracionista'. Não somos mais otimistas, somos mais realistas.