Com um mercado de créditos de carbono prestes a ser regulado no Brasil, oportunidades se abrem não só para negócios bilionários, mas para ajudar a frear as mudanças climáticas que têm provocado tragédias como a que o Rio Grande do Sul testemunha neste setembro.
É importante entender melhor esse mecanismo que concilia economia e ambiente. O mercado regulado será limitado à indústria, que responde por 10% das emissões de gases de efeito estufa que o Brasil assumiu o compromisso de reduzir. Restam 90%, dos quais 50% são resultantes das queimadas, que precisam ser compensados no mercado voluntário.
Os critérios desse segundo mecanismo são definidos por um grupo formado por empresas do setor privado e um banco de desenvolvimento, chamado Iniciativa Brasileira para o Mercado Voluntário de Carbono. Um dos diagnósticos do trabalho, desenvolvido com apoio da consultoria McKinsey, é que, se atingir seu potencial de geração de créditos de carbono (15% do global), o Brasil poderia gerar entre 550 mil e 880 mil empregos a mais por ano, com impacto econômico de até US$ 26 bilhões em valor agregado bruto anual.
Para isso, há necessidade de uma mudança crucial: a natureza jurídica dos créditos de carbono. Inicialmente, eram considerados "ativos intangíveis", como uma marca. Essa caracterização, conforme Maria Belen Losada, líder de desenvolvimento de novos negócios do Itaú, parceiro da iniciativa, quase inviabilizava financiamentos para projetos de reflorestamento.
Com apoio do trabalho feito pelo grupo, os créditos de carbono no mercado regulado devem passar a ser "valores mobiliários", como ações e títulos de dívida. Isso significa que estarão sob supervisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que vigia o mercado de capitais.
— O mercado voluntário tem uma demanda genuína natural. Como o regulado é bem menor, muitas empresas precisam complementar para neutralizar suas emissões. O Brasil tem capacidade muito grande de gerar créditos de boa qualidade, muito além do que o próprio país vai precisar. Mas é preciso destravar o financiamento — detalha a executiva.
Belen reforça, ainda, que as exportadoras brasileiras precisam ficar especialmente atentas a esses dois mercados. O acesso ao mercado externo será condicionado, de forma crescente, a empresas que não apenas reportem emissões e compensações, mas o façam em um mercado regulado de forma robusta - para onde tende o brasileiro - ou com critérios estritos, como se tenta fazer com o voluntário.
O mercado e as mudanças climáticas
- Como signatário do Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu a reduzir a emissão de gases de efeito estufa em 50% até 2030 e a zero até 2050.
- O motivo que levou à formulação do Acordo de Paris é a mudança climática. Um dos sintomas mais conhecidos é o aumento da frequência e da intensidade de fenômenos meteorológicos: chuva, vento, ondas de calor e de frio - como a enxurrada que atingiu o Estado neste mês.
- No Brasil, metade das emissões vem de desmatamento, 25% da pecuária, 10% da indústria, e os 15% restantes de transporte e outros segmentos.
- O mercado regulado de créditos de carbono está focado nas emissões de 10% da indústria, mas como a necessidade de compensação é maior, existe o mercado voluntário.
- O estudo do grupo formado por bancos e empresas começa assim: "A Organização Meteorológica Mundial – WMO recentemente reportou que há uma probabilidade muito alta (98%) de que pelo menos um dos próximos cinco anos seja o mais quente já registrado. Além disso, existe ainda uma alta probabilidade (+65%) de que a temperatura global média anual próxima à superfície fique acima de 1,5°C dos níveis pré-industriais pelo menos em um dos próximos cinco anos."