A Orange Jardim foi criada em abril de 2020 por Maria Júlia Daros. No mesmo ano, durante a pandemia, nasceriam outras 12,5 mil microempresas no Estado — 2 mil delas em Porto Alegre. Mas, quando o impulso empreendedor vem acompanhado daquele algo a mais, a receita é tendência de sucesso.
E o que não falta, nesse caso, são os significados, presentes em cada um dos itens de confecção. A Orange faz peças infantis artesanais. São roupas e fantasias personalizadas, releituras que levam a assinatura de Júlia, únicas e, algumas vezes, ainda mais especiais, como cada uma das crianças que as usa.
Vestir os pequenos com pitadas de cultura, regionalismo e arte é o diferencial. E as referências estão por todas as partes e nos detalhes: nas fitas, nos babados e nos tecidos.
– Personalizar é colocar um pouco de amor naquilo que se entrega – diz Júlia.
Ela conta que tudo começou enquanto ainda amamentava o primeiro filho, Dante, hoje com 9 anos, e costurava à mão algumas roupinhas, o que se repetiu com o Max, 6. Mas foi com a terceira herdeira, a Maitê, 5, que a vontade aflorou de vez.
Os filhos têm participação na origem, na evolução e no tipo de produção. O Dante no nome, pois laranja é sua cor preferida. O Max, no estalo que deu a largada para a confecção de peças interativas, porque o menino autista passou a se interessar por aquelas que levam luzes e caixinhas musicais – uma inovação que caiu no gosto da garotada mais especial e trouxe um componente de inclusão para o portfólio. E a Maitê embelezou o primeiro vestido, no batizado e no aniversário.
Desde então, são mais de 500 peças entregues. Achou pouco? Então é preciso lembrar: a Orange é uma empresa de apenas uma mulher – mãe de dois meninos e uma menina, com idade inferior a 10 anos – e nenhuma peça é igual a outra. Para se ter uma ideia, na Semana Farroupilha de 2021 foram duas vendas. No mesmo período do ano passado, 72 – alta de 144%, que garantiu a compra de um novo equipamento e demarcou o primeiro mês de lucro na empresa.
O conceito remete a um resgate de algo muito forte nas raízes do Estado nos primórdios da indústria têxtil, instalada por aqui na virada do século 19, com o processamento dos produtos primários de origem colonial, voltada para o mercado interno e formada por pequenas unidades, com baixo volume de capital investido e estrutura quase artesanal.
– É bonito poder realizar um trabalho artesanal em meio a tanta coisa industrial que a gente tem. Isso permite trazer valores únicos para cada peça – comenta, e com razão.
É que, hoje, a cadeia produtiva do vestuário gaúcha é composta por 32.494 unidades, que geram 238.002 postos de trabalho formais e distribuem R$ 4,8 bilhões ao ano em salários e remunerações.
Em pouco tempo, a Orange passou por cada um desses processos. A costura, antes manual, ganhou maquinário e um ateliê no apartamento da família. O algodão convive com o linho e outras matérias-primas.
– Sempre fui dona de casa. Fiz isso por mim. Costurava na mão, amamentando e buscando algo que eu pudesse fazer, sem deixar de atender aos três filhos e à casa. Tem uma voz feminina e de meu empoderamento que diz que a Orange também é a força de uma pessoa que quer crescer – explica Júlia.
Produção para os pequenos, atitude de gente grande
Em uma empresa de produção artesanal de pequeno porte que entrega itens para as crianças, a atitude já é digna das grandes marcas do setor. Depois de uma experiência com o filho Max, que dentro de seu espectro tem a fuga como ação recorrente, um episódio ocorrido no centro de Porto Alegre fez com que Júlia começasse a produzir as próprias guias que o garoto passou a usar em passeios e deslocamentos.
Ela reparou que as opções disponíveis no mercado eram facilmente abertas. Hoje, no intervalo entre uma encomenda e outra, faz esse tipo de peça para outras mães com demanda semelhante, de forma gratuita. Para isso, utiliza os retalhos e as sobras das roupas entregues. Basta que os interessados preencham um termo de responsabilidade para receberem a doação da Orange.
Ação implantada desde cedo no negócio de Júlia tem duas das três letras que formam o ESG. O "E" é o meio ambiente (environment, na sigla em inglês), o "S" representa a preocupação social e o "G", as diretrizes de governança coorporativa. E, de quebra, resolve uma questão que ainda é tema de preocupação para a indústria têxtil brasileira. A cada ano, são 170 mil toneladas de resíduos descartados pela cadeia no país. Apenas 20% desse material é reciclado.