Antes de assumir a Embaixada da Holanda - oficialmente, Reino dos Países Baixos - no Brasil, em agosto de 2021, André Driessen atuou como chefe da diplomacia de seu país na China, e também como diretor do Departamento de Empresa Internacional no Ministério de Relações Exteriores holandês. Com essa trajetória, tem dois focos: geopolítica e economia. Mas sua missão também tem contornos afetivos, já que Driessen viveu em São Paulo dos quatro aos oito anos, na década de 1960, porque o pai era executivo da Philips. Ao assumir, combinou com o ministro da Relações Exteriores do Brasil, Mauro Viera, um plano conjunto de iniciativas bilaterais, que inclui temas estratégicos - multilateralismo, mudanças climáticas, direitos humanos -e datas simbólicas -em 2026, os dois países celebram 200 anos de relações diplomáticas, em 2028, 200 anos do tratado da amizade e, em 2030, 400 anos da presença holandesa em Pernambuco. Nesta quinta-feira (22), antes de participar de evento em Porto Alegre, Driessen deu entrevista à coluna em que menciona a importância que o acordo entre União Europeia e Mercosul ganhou diante do "momento geopolítico" - leia-se a temida aproximação entre China e Rússia.
O que falta para dar velocidade aos projetos de hidrogênio verde no Brasil?
Na Europa, estamos convencidos de que o hidrogênio verde será um passo essencial para a transição enérgica no setor industrial, pois a solar e a eólica não funcionam bem, é preciso um combustível mais estável. Há duas questões a resolver. Primeiro, é preciso obter maior eficiência na eletrólise (principal processo de obtenção do combustível, que demanda enorme quantidade de água). Outra é garantir que os projetos sejam factíveis do ponto de vista econômico e financeiro, porque são necessários grandes investimentos. O porto de Pecém (Ceará) tem parceria com o de Roterdã, que quer ser o ponto de chegada do hidrogênio verde na Europa e distribuir, inclusive para a Alemanha. Conforme a Federação das Indústrias do Ceará, existe um portfólio de investimentos de até US$ 35 bilhões. O primeiro, de uma companhia australiana que está começando as atividades, teve aporte de US$ 6 bilhões. São grandes projetos, que demandam muito dinheiro.
Até agora, pensava-se em amônia para ser o líquido que transporta a energia do hidrogênio verde, mas o Brasil está introduzindo o etanol como carregador de energia, que teria a vantagem de ser mais seguro e ter menor impacto ambiental.
O que depende do Brasil?
Falta um marco legal e jurídico completo para dar segurança aos investidores, tanto no Brasil quanto para nossos países. Outro desafio é o transporte, que também deve ser verde. Precisamos desenvolver barcos elétricos. O Brasil está introduzindo alternativas. Até agora, pensava-se em amônia para ser o líquido que transporta a energia do hidrogênio verde, mas o Brasil está introduzindo o etanol, que teria a vantagem de ser mais seguro e com menor impacto ambiental.
Em quanto tempo o hidrogênio verde deve ser tornar viável?
Quem está muito envolvido afirma que são necessários ao menos ainda 10 a 15 anos para que tenhamos as vantagens do hidrogênio verde, com a tecnologia disponível e em aplicação, com a cadeia funcionando. O desenvolvimento tecnológico às vezes avança mais rápido que se espera, e a necessidade, na parte europeia, é grande. Estamos bem no caminho de carros elétricos e no uso doméstico de energias renováveis, mas a parte essencial para cumprir nossas metas de mudanças climáticas é essa transição industrial. Para isso, precisamos do hidrogênio verde, senão teremos muita dificuldade para cumprir nossas metas. O Brasil, como um dos países em que as circunstâncias para produzir hidrogênio verde são ideais, será um parceiro muito importante. Mas estamos viajando por todo o mundo, Namíbia, Omã, Austrália, Chile, Uruguai, Emirados Árabes. Todos estão investindo muito para dar esse passo.
Temos regulações contra (a importação de) produtos de áreas desmatadas e outras legislações adicionais recentes, que de certo modo têm também o mesmo objetivo de proteção ambiental que queremos no tratado.
O que ainda trava o acordo entre União Europeia e Mercosul, e qual é a perspectiva real de fechar?
É um desafio. Estamos em uma fase decisiva, em que os países de ambos os lados devem decidir se querem o tratado ou não. Da parte europeia, há grande vontade. A parte ambiental é importante. Nos últimos anos, introduzimos legislações, por isso um adendo (acrescentado na mais recente atualização, que provocou protestos no Brasil) não é tão importante. Temos regulações contra (a importação de) produtos de áreas desmatadas e outras legislações adicionais recentes, que de certo modo têm também o mesmo objetivo de proteção ambiental que queremos no tratado. Temos de convencer a sociedade e os parlamentos de que esse tratado é, porque os governos têm vontade sincera de fechar esse acordo.
Todos os governos na Europa? Já vimos resistências na França, Polônia, às vezes por motivos protecionistas.
Temos de aprovar em 27 parlamentos. Não tem sentido resistir ou ter postura defensiva. Esse tratado é importante não só pelo sentido original, da parceria comercial. No momento geopolítico atual, tem ainda mais importância. Vai criar a maior zona de livre comércio do mundo, com mais de 600 milhões de pessoas e consumidores, e vai ser um sinal, nessa época com geopolítica muito complicada, de que somos capazes de fechar esse tipo de acordo. Não estamos muito focados na parte agrícola, a grande vantagem está na parte industrial e de serviços, que são o futuro de qualquer economia avançada. A agricultura, em qualquer economia avançada, vai ter uma posição menor — o Brasil talvez seja uma exceção, pelo tamanho e pelo potencial agrícola do país, que tem função de ser produtor de muitos alimentos para o mundo.
E também recursos essenciais, como terras raras, vêm da China, mas também existem da América do Sul. Brasil, Bolívia, Chile, Peru.
O momento geopolítico com aproximação de outros atores, como China e Rússia, dá mais importância ao acordo?
Sim, claro. Nos últimos anos, percebemos que estamos muito dependentes de poucos países para produtos essenciais, como a China. Durante a pandemia, descobrimos que 80% de tudo que precisamos na área médica vem da China. E também recursos essenciais, como terras raras (grupo de 17 elementos químicos, dominados por lantanídeos, escândio e ítrio, usados em supercondutores), vêm da China, mas também existem da América do Sul. Brasil, Bolívia, Chile, Peru Então, desenvolver alternativas para independência estratégica é muito importante.