Faz parte das atribuições do ministro da Fazenda disseminar otimismo sobre as medidas implementadas e a implementar. Então, é compreensível que Fernando Haddad cumpra sua missão, mas o dever dos analistas é apontar os obstáculos nesse caminho.
Depois que ficou claro que, para cumprir a meta de alcançar superávit de 0,5% do PIB em 2025 - e 1% em 2026 -, é preciso aumentar a arrecadação, o ministro e sua equipe têm afirmado que não haverá aumento de alíquota ou de carga tributária porque essa elevação será buscada de quem não paga imposto.
Antes de prosseguir, é preciso admitir: nada mais justo. No entanto, entre ser justo e ser factível, há um longo caminho. Na segunda-feira (3), Haddad antecipou as medidas arrecadatórias que virão antes da reforma tributária:
1. Fim da isenção de Contribuição sobre Lucro Líquido (CSLL) das despesas de custeio das empresas. Essa possibilidade surgiu de um "puxadinho legal", que era a retirada da cobrança do tributo sobre investimentos. Para Haddad, essa isenção faz sentido, mas a extensão às despesas de custeio, não. Faz sentido. Isso renderia, nas contas do ministro, arrecadação extra entre R$ R$ 80 bilhões a R$ 90 bilhões. Será um dinheiro que não era custo e passará a ser. Então, ou haverá forte resistência, com questionamentos à Justiça, ou vai parar nos preços, pressionado a inflação.
2. Outra fonte de receite seria a tributação dos sites de apostas esportivas. Nesse caso, não há protesto possível: é uma nova atividade, proibida no Brasil até pouco tempo atrás mas agora não está apenas estabelecida, mas disseminada. Por que não pagaria imposto? Até por envolver um possível "imposto do pecado" - afinal, envolve risco -, pode ter alíquota alta. Nesse caso, a conta do ministro é de entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões.
3. Um ponto em que Haddad ainda é vago envolve o que chama de a tributação sobre "contrabando". Disse que o alvo seriam empresas que vendem online como se fosse uma transação de pessoa a pessoa, isenta de impostos. Ao menos por enquanto, não quis comprar a briga que Paulo Guedes chegou a colocar na rua, mas recuou. A mira é sobre sites internacionais como Alibaba, Shopee e Shein, aos quais Guedes se referia como "camelódromo virtual". Conforme a portaria 156 do Ministério da Fazenda, de 24 de junho de 1999, importações feitas por pessoas físicas devem ser taxadas em 60% do valor da remessa, que inclui o frete. A fiscalização da Receita Federal é feita por amostragem, ou seja, não há o chamado "enforcement", ou seja, uma forma de garantir que a regra seja cumprida. Nesse caso, o obstáculo é a impopularidade da medida, porque a compra nesses sites virou alternativa de baixo custo diante de preços crescentes. Ainda sem dar nome aos alvos, o governo já é alvo de ataques políticos por considerar a medida. No entanto, é um raro assunto que une o governo atual e aliados ao anterior, caso de Luciano Hang, da Havan - sem contar todas as redes varejistas, nacionais e internacionais, que atuam dentro das regras no país. Haddad não estimou quanto renderia em arrecadação, mas documento assinado por seis entidades empresarias estimou a "sonegação" em US$ 100 bilhões neste ano. Em dólares.
Embora os sites de apostas tenham poucos argumentos racionais e diplomáticos para resistir à tributação - até porque ainda têm de ser regulados no Brasil -, haverá resistências em todas as frentes. Fácil, não será. Isso não significa que não seja factível, mas será preciso fazer um grande trabalho de convencimento - sem contar o enfrentamento de interesses diversos no Congresso.
Nas contas de Haddad, o novo marco fiscal precisa entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões de arrecadação extra para parar de pé. Outros cálculos circulam no mercado, mas ninguém quer cravar um número definitivo antes de ver o famoso texto legal do arcabouço, que só deve ser conhecido depois da Páscoa. Se não tiver kinder ovo, já vale um agradecimento ao coelhinho.