O clima tenso dos últimos quatro anos na Petrobras ainda não mudou. Prevista para daqui a 10 dias, a assembleia-geral de acionistas que deve redefinir a estatal ainda enfrenta obstáculos.
Na semana passada, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) considerou inelegíveis dois dos escolhidos pelo governo Lula para o conselho de administração: Pietro Adamo Mendes e Sérgio Rezende. Pelo próprio conselho, ainda dominado por indicados do governo anterior, quatro nomes apontados pelo atual já foram reprovados.
Mendes, por ocupar cargo no atual governo - é secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia (MME). Rezende, ex-ministro de Ciência e Tecnologia do primeiro governo Lula, por integrar o diretório nacional do PSB. Na sexta-feira (14), o conselho rejeitou ainda o ex-assessor jurídico da Câmara, Renato Campos Galuppo, por ter filiação partidária e falta de experiência comprovada em óleo e gás. Antes, havia refutado o secretário-executivo do MME, Efrain Cruz, por já integrar o governo.
Efrain já é um plano B. Sua indicação substitui a de Carlos Eduardo Turchetto Santos. Outra mudança "espontânea" do governo foi a de Wagner Victer por Bruno Moretti, atual secretário especial de análise governamental da Presidência da República. A disputa na formação do conselho é tão grande porque o órgão é crucial para a mudança de política de preços da estatal: sem passar por esse crivo, nada acontece.
No mercado, não se duvida que, mesmo com os vetos, todos possam ser eleitos. Afinal, o mesmo ocorreu na mais recente eleição para o conselho. Indicados pelo governo Bolsonaro, Jonathas de Castro e Ricardo Soriano de Alencar foram considerados inelegíveis por conflito de interesses. Castro era secretário executivo da Casa Civil, e Soriano, procurador-geral da Fazenda Nacional. Além disso, Caio Paes de Andrade, último presidente indicado por Bolsonaro, era formado em Comunicação e não tinha qualquer experiência na área.
Fontes do mercado que tentam acompanhar os movimentos veem disputa entre o PT e o PSD do titular de Minas e Energia, Alexandre Silveira - dois dos candidatos barrados são indicações do ministro. Também apontam briga interna no PT, que provocou até especulações sobre eventual desgaste do atual presidente, Jean Paul Prates, com Lula. A interlocutores, Prates nega qualquer conflito.
Pouco antes da viagem à China, uma frase de Lula foi interpretada como carraspana ao ministro, que havia antecipado, na véspera, a intenção de propor uma nova política de preços para ajudar "a combater perdas e solavancos inflacionários". O presidente afirmou que esses tema só será debatido "no momento em que o presidente da República convocar o governo para discutir" e, enquanto isso, não haveria mudança no "que está funcionando hoje".
Como a reação veio logo depois da declaração de Silveira, foi o endereço mais óbvio, mas o próprio Prates havia insinuado mudanças, em março, ao afirmar em entrevista ao programa da jornalista Míriam Leitão, na GloboNews:
— A política de preços da Petrobras será a política de preços de uma empresa nacional que tem parque de refino no Brasil para disputar cada metro cúbico de combustível e cada metro cúbico ou milhão de BTU de gás.
No caso do suposto desgaste entre Lula e Prates, o motivo não seria política de preços nem indicações a cargos, mas a famosa política de "desinvestimento" da Petrobras. Há inúmeros negócios já praticamente fechados com unidades ou áreas de exploração da estatal que seguem sendo fechados, em um ritmo de ao menos um por semana. Isso teria desagradado Lula, que gostaria de interromper o "encolhimento" da companhia.
Na semana passada, a interpretação de de que uma reunião de representantes do governo anterior com a Arábia Saudita teria "abordado ativos" da Petrobras intensificou esse ruído. Depois, veio o esclarecimento de diplomatas de carreira do Itamaraty de que "abordar ativos" havia significado, na verdade, informar aos sauditas que não faria sentido - sempre do ponto de vista do governo da época - a entrada do Brasil na Opep, já que aestava reduzindo a presença estatal no setor de óleo e gás.