Como se esperava, e como ocorreu depois da primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), a ata veio ligeiramente mais suave do que o duro comunicado que surpreendeu até o mercado.
Mas foi uma sopradinha bem de leve na mordida da última quarta-feira (21).
A frase que mais pode oxigenar a relação entre o BC e o governo Lula aparece no meio no terceiro ponto da ata, ou seja, meio discretamente: "Em várias economias emergentes, os ciclos de aperto chegam a uma pausa ou sugerem proximidade de seu fim". Não há qualquer compromisso sinalizado de fazer o mesmo, mas ao menos é a citação vaga que boa parte do mercado esperava na ata.
Bem mais adiante, no 28º ponto, vem um aceno na direção do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tem travado batalhas dentro do governo: "O Comitê avalia que o compromisso com a execução do pacote fiscal demonstrado pelo Ministério da Fazenda, e já identificado nas estatísticas fiscais e na reoneração dos combustíveis, atenua os estímulos fiscais sobre a demanda, reduzindo o risco de alta sobre a inflação no curto prazo. Ademais, o Comitê seguirá acompanhando o desenho, a tramitação e a implementação do arcabouço fiscal que será apresentado pelo Governo e votado no Congresso. O Copom enfatizou que não há relação mecânica entre a convergência de inflação e a apresentação do arcabouço fiscal, uma vez que a primeira segue condicional à reação das expectativas de inflação, às projeções da dívida pública e aos preços de ativos. No entanto, o Comitê destaca que a materialização de um cenário com um arcabouço fiscal sólido e crível pode levar a um processo desinflacionário mais benigno através de seu efeito no canal de expectativas, ao reduzir as expectativas de inflação, a incerteza na economia e o prêmio de risco associado aos ativos domésticos".
Mas entre um soprinho e outro, sobrou espaço para uma dentada: "O Comitê novamente avaliou a possibilidade de incorporar alguma elevação em sua estimativa de taxa neutra de juros, em direção ao movimento observado nas expectativas para prazos mais longos extraídas da pesquisa Focus. A taxa neutra real de juros é aquela em que, na ausência de impacto de outros fatores, a taxa de inflação permanece estável e o produto cresce de acordo com seu potencial, refletindo os ganhos de produtividade e mudanças nos fundamentos estruturais da economia. O Comitê optou, neste momento, por manter a taxa neutra de juros em 4%, mas avaliou cenários alternativos e identificou que os impactos de uma elevação da taxa neutra sobre suas projeções crescem no tempo e passam a ser mais relevantes a partir do segundo semestre de 2024".
Essa ameaça veio acompanhada de um recadaço, que parece ter como endereço a Avenida República do Chile, no Rio de Janeiro, onde fica a sede do BNDES: "Ao avaliar os fatores que poderiam levar à materialização de cenário alternativo caracterizado por uma taxa de juros neutra mais elevada, enfatizou-se a possível adoção de políticas parafiscais expansionistas, que têm o potencial de elevar a taxa neutra e diminuir a potência da política monetária, como já observado em comunicações anteriores do Comitê".
Uma informação da ata que não é nem sopro nem mordida, mas será importante para as apostas de mercado é o que define seu horizonte relevante: "O Comitê optou por novamente dar ênfase ao horizonte de seis trimestres à frente em suas projeções, mas antecipa que, para o próximo trimestre, o Comitê voltará a utilizar o horizonte usual, referente aos anos-calendário, uma vez que o horizonte de seis trimestres à frente coincidirá com o ano-calendário de 2024, não havendo assim mais efeito direto decorrente das mudanças tributárias no horizonte usual".