Mais uma vez, era previsível: na entrevista concedida no início da noite de quarta-feira (19) à Globonews - depois do fechamento do mercado - o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a autonomia do Banco Central (BC) e a meta de inflação.
Depois de dias em que as declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, embalaram a confiança do mercado, as de Lula atuaram em sentido inverto: nesta quinta-feira (19), o dólar abriu em alta (perto do final da manhã, de 0,8%) e a bolsa, depois de também ter começado em baixa, caminha para a estabilidade.
É um dia de baixa também na bolsa de Nova York e de reação negativa ao comunicado da Americanas de que "embora ainda não tenha sido decidido, a administração está trabalhando com a possibilidade de, nos próximos dias ou potencialmente nas próximas horas, aprovar o ajuizamento, em caráter de urgência, de pedido de recuperação judicial". Também é, até agora, uma reação bem mais suave do que a seguinte ao discurso de posse.
São outros fatores da mudança de humor de investidores e especuladores, mas comentários sobre a entrevista de Lula dominam comunicados que antecedem a abertura do mercado, focados na crítica à autonomia do BC. Esse instrumento faz Lula ter no governo um presidente - Roberto Campos Neto - indicado pelo antecessor:
— Eu posso te dizer, com a minha experiência, é uma bobagem achar que um presidente do BC independente vai fazer mais do que quando o presidente era quem indicava.
O presidente ainda criticou a meta de inflação, que não é definida pelo BC, mas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). No governo passado reunia, além do presidente da instituição, apenas o ministro da Economia e o secretário Especial de Fazenda da mesma pasta:
— Você estabeleceu uma meta de inflação de 3,7%. Quando você faz isso, é obrigado a arrochar mais a economia para atingir a meta. Por que precisava atingir os 3,7%? Por que não fazia 4,5%, como nós fizemos?
Do ponto de vista prático, a declaração sobre meta de inflação pode ter mais efeito do que a crítica à autonomia, que dificilmente será revista. Alterar a meta é mais factível. Um dos benefícios que o discurso ponderado de Haddad havia conquistado foi a queda dos juros futuros, que tira pressão sobre a Selic, ou seja, contribui para a baixa da taxa básica. Uma das publicações que serve de orientação para o dia no mercado, da Levante Investimentos, começava assim:
"Se você acompanha esta nossa conversa matinal, sabe que evitamos discutir política. Não é uma rejeição a priori da política ou dos políticos. Apenas a percepção que esse é um assunto subjetivo e, por isso, sua influência sobre os mercados é difícil de mensurar (deixamos o tema a cargo do competente Felipe Berenguer). Nossa filosofia é basear todas as estratégias de investimentos em dados quantitativos. Dito isso, é bastante provável que as declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na noite da quarta-feira (18) em uma entrevista à televisão tenham um efeito negativo sobre os ativos financeiros."
E conclui:
"A independência do BC pode não ser uma condição suficiente para blindar a economia contra crises. Mas é uma condição necessária para impedir o agravamento das crises, especialmente as provocadas por desequilíbrios econômicos internos (problemas fiscais) ou externos (desequilíbrio do balanço de pagamentos)."