Diante de comportamentos anteriores, o prolongado silêncio do presidente Jair Bolsonaro (PL) diante da vitória do oponente, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) talvez seja a reação menos dramática que seu retrospecto autoriza esperar.
Mesmo assim, acentua os temores da equipe do presidente eleito sobre a qualidade da transição democrática, que existiam desde o primeiro turno.
Da qualidade da transição, ponderam economistas que atuaram no programa de governo do candidato, depende a rapidez das definições para os primeiros dias de governo. Embora possa ser uma alegação conveniente para não detalhar a posição de Lula sobre o substituto do teto de gastos, a falta de clareza nos dados fiscais é apontada pela equipe de programa como causa da impossibilidade de avanço.
Enquanto não recebe mais dados, a equipe trabalha com a projeção mais abrangente conhecida, realizada por dois economistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), que prevê rombo de R$ 435 bilhões entre reduções de receita e aumentos de despesas em 2023. Por isso, recompor o orçamento para o próximo ano é um dos primeiros desafios do novo governo.
Nesse sentido, a até certo ponto surpreendente prontidão democrática do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) pode ajudar. Pouco depois que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou que Lula estava matematicamente eleito, divulgou um texto e, em seguida, gravou um vídeo, afirmando que "é hora de desarmar os espíritos, estender a mão aos adversários, debater".
O pragmático Lira foi coautor das folias orçamentárias com finalidade eleitoral, como a proposta de emenda constitucional (PEC) apelidada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de "Kamikaze", que depois virou "das bondades". Trabalhou com afinco pela redução das alíquotas de ICMS sobre gasolina, energia e telecomunicações, que, sozinha, deixou espetada uma conta estimada em R$ 100 bilhões para o próximo ano em compensações que deveriam ser pagas a Estados e municípios.
Existe lei para a transição que um governo que sai deve cumprir. Os aliados políticos de Bolsonaro terão de convencer o presidente de que o respeito às urnas é a maior das regras previstas nas "quatro linhas da Constituição". Encaminhar uma passagem de bastão correta não é uma deferência ao presidente eleito, mas um dever com os cidadãos brasileiros que precisam de respostas rápidas.
Atualização: na tarde de segunda-feira (31), o Tribunal de Contas da União (TCU) tomou a decisão inédita de criar uma comissão para supervisionar o processo de transição de governo, depois de alinhar a medida com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Será formada pelos ministros Bruno Dantas, Vital do Rêgo, Antonio Anastasia e Jorge Oliveira, muito próximo ao presidente Jair Bolsonaro.
Compromissos de Lula na economia assumidos na Carta ao Brasil de Amanhã
1. No desenvolvimento econômico, repete a intenção de reunir os 27 governadores para definir a retomada de obras paradas e definir prioridades. O documento afirma que "os bancos públicos, especialmente o BNDES, e empresas indutoras do crescimento e inovação tecnológica, como a Petrobras, terão papel fundamental neste novo ciclo".
2. Menciona uma "Nova Legislação Trabalhista que assegure direitos mínimos – tanto trabalhistas como previdenciários – e salários dignos", elaborada após "amplo debate tripartite (governo, empresários e trabalhadores)". Pretende criar o Empreende Brasil, com crédito a juros baixos para micro, pequenas e médias empresas.
3. Promete salário mínimo forte, com "crescimento todo ano acima da inflação", o Novo Bolsa Família, com R$ 600 permanentes mais R$ 150 para cada criança de até 6 anos, o Desenrola Brasil, de renegociação para inadimplentes, isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, com reforma tributária. E é a mesma promessa feita por Jair Bolsonaro, em 2018, e nunca cumprida.
4. Afirma que buscará "transição energética e ecológica para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis, para uma agricultura familiar mais forte, para uma indústria mais verde". Assume "desmatamento zero na Amazônia e emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica", sem definir data.
5. Acena com a volta do Minha Casa Minha Vida, sem mencionar meta. Quer um um Novo PAC "para reativar a construção civil e a engenharia pesada" para habitação, transporte e mobilidade urbana, energia, água e saneamento.
6. Para reindustrializar o país, sinaliza com estímulos a indústrias de software, defesa, telecomunicações e outros setores de novas tecnologias. Aponta "vantagens competitivas que devem ser ativadas" nos complexos de saúde, agronegócio e petróleo e gás. Promete "atenção especial" para micro, pequenas e médias empresas e startups.
7. Na política externa, renova a aposta na integração regional, no Mercosul, no diálogo com os Brics, países da África, mas inclui União Europeia e Estados Unidos, que tiveram pouca atenção nos dois primeiros mandatos, para exasperação de diplomatas.