Com inflação, juro e desemprego ainda altos, volta da inadimplência e até da fome, mais um reforço no Auxílio Brasil para R$ 600 que, na lei, dura só até dezembro, é natural que a economia ocupe boa parte do debate eleitoral.
Como se sabe, programas de governo não são roteiros seguidos à risca por eleitos no Brasil. Mas ao menos são cartas de intenções. Por isso, a coluna foi conferir os planos econômicos dos quatro candidatos que lideram as pesquisas de opinião: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) — clicando no nome dos candidatos, é possível acessar a íntegra das propostas. As propostas dos demais podem ser conhecidas clicando aqui.
Ao menos uma convergência
Uma curiosidade é que os quatro planos mencionam, de forma direta ou indireta, a reforma que os brasileiros esperam há quatro décadas e nunca sai, a despeito de sucessivas tentativas.
A proposta nas 21 páginas do documento de Lula é detalhada: terá "estrutura tributária mais simples e progressiva", com maior cobrança dos "super-ricos", "contemplando a transição para uma economia ecologicamente sustentável". Promete desoneração para "produtos com maior valor agregado e tecnologia embarcada".
Nas 26 páginas do programa de Ciro, reforma é ainda mais esmiuçada: redução de subsídios e incentivos fiscais em 20% no primeiro ano de governo, recriação de imposto sobre lucros e dividendos, taxação de grandes fortunas (0,5% para renda acima de R$ 20 milhões, cerca de 60 mil contribuintes. Cada ponto prevê, inclusive, o efeito gerado de arrecadação, que dá uma soma R$ 200 bilhões de arrecadação adicional.
O plano de 48 páginas de Simone tem ambição: implementar a reforma tributária nos seis primeiros meses de gestão, com dois objetivos principais: simplificação e justiça social. Prevê criação do IVA (em substituição ao ICMS), baseado em progressividade (quem ganha mais, paga mais) e reforma do Imposto de Renda para "eliminar a regressividade" (quem ganha menos paga mais).
A menção mais indireta é a de Bolsonaro, que em suas 48 páginas não junta as duas palavras, mas afirma que "continuará a implementar as mudanças e reformas estruturantes (...), com o objetivo de melhorar a eficiência dos gastos públicos". Depois, acrescenta que um dos objetivos é "simplificar a legislação e reduzir a carga tributária".
Divergências
Se uma reforma une, ao menos em teoria, outra divide. O plano de Bolsonaro defende a reforma trabalhista feita por seu antecessor, Michel Temer, argumentando que ajuda "a combater abusos empresariais e de sindicatos". E para "ampliar a formalização dos trabalhadores" propõe "alternativas contratuais inteligentes e que reconheçam a realidade desses trabalhadores nas regiões em que vivem, incluindo os trabalhadores por aplicativos e rurais, dentre outros".
No programa de Lula, está prevista "uma nova legislação trabalhista de extensa proteção social a todas as formas de ocupação, de emprego e de relação de trabalho, com especial atenção aos autônomos, aos que trabalham por conta própria, trabalhadores e trabalhadoras domésticas, teletrabalho e trabalhadores em home office, mediados por aplicativos e plataformas, revogando os marcos regressivos da atual legislação trabalhista, agravados pela última reforma e restabelecendo o acesso gratuito à justiça do trabalho". Tudo isso, afirma, "a partir de um amplo debate e negociação".
Ciro não quer nem saber de CLT. Seu plano prevê "um novo Código Brasileiro do Trabalho (CBT), que abranja as melhores e mais modernas práticas de proteção internacionais e as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT)". Tebet não menciona a legislação trabalhista, mas propõe reduzir a contribuição previdenciária para a faixa de um salário mínimo para todos os trabalhadores.
Especificidades
Se têm propostas comuns e opostas, os programas tentam buscar originalidade: o de Bolsonaro avisa que "um dos compromissos prioritários do governo reeleito será a manutenção do valor de 600 reais para o Auxílio Brasil a partir de janeiro de 2023". O de Lula afirma que "um programa Bolsa Família renovado e ampliado precisa ser implantado com urgência para garantir renda compatível com as atuais necessidades da população".
Ciro aponta como "uma das nossas prioridades" a mudança da política de preços da Petrobras, "que hoje só beneficia importadores e acionistas, mas prejudica toda a sociedade brasileira, dado seu impacto sobre a inflação". Propõe ainda a ampliação da capacidade das refinarias da Petrobras e maior investimento em energia renovável. E repete uma proposta de 2018: "o elevado endividamento privado de famílias e empresas deverá ser renegociado, com taxas de juros menores e prazos mais longos de pagamento (incluindo as dívidas com o Fies)".
No plano de Simone, há propostas de criação de duas poupanças: a Seguro Família, "para os trabalhadores informais e formais de baixa renda em situações de queda súbita de rendimento", e a Mais Educação, "para incentivar os jovens de baixa renda a concluir o ensino médio". O texto é um dos mais contundentes ao abordar o combate à fome: "Nossa primeira missão na Presidência da República será eliminar a fome e a miséria no país, reduzir as desigualdades e diminuir a pobreza".