O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central (BC) e economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander, Alexandre Schwartsman, hoje, está à frente da consultoria econômica Schwartsman & Associados. Formado em administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV), fez mestrado em economia na Universidade de São Paulo (USP) e doutorado na Universidade da Califórnia. Nesse bate-papo, ele comenta os principais fatos da conjuntura econômica nacional, entre eles, a PEC que aumentou benefícios sociais a menos de cem dias da eleição.
A corrida eleitoral não está ficando muito cara para o país?
Há o impacto de R$ 40 bilhões a mais no orçamento. Se fosse só isso, daria para conter, pois é algo temporário. Mas não é só isso, o mais grave não é o aumento de gastos em si, mas sim o fato de que as instituições, que foram criadas em 25 anos para tentar impor o mínimo de disciplina fiscal ao governo, estão indo para o ralo. A Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, em seu espirito está sendo violada. No que se refere ao teto de gastos, foi criada uma regra, mas já havia válvulas de escape para situações de maior gravidade. Vimos que na pandemia, se pode lidar com isso, portanto, não era algo tão severo a ponto de impedir ações emergenciais. Mas o que se está fazendo, agora, tem objetivo único e exclusivo eleitoral. Fica claro que passando por situações similares no futuro, as regras serão distorcidas. Isso leva a crer que as regras fiscais no pais não funcionam e o efeito disso é devastador.
Quais os impactos?
A questão fiscal e essa última pernada que presenciamos nas medidas de risco país refletem exatamente a sensação de que o Brasil é um país onde as regras fiscais não valem. E, se as regras não valem, sabemos que sempre que houver conflito entre obedecer a regra fiscal e os interesses políticos do governo, seja ele qual for, prevalecerá o interesse político. E aí, percebe-se que a trajetória de gastos, déficit e endividamento é algo muito pior e bate na percepção de risco fiscal, que também gera desvalorização do real e, por consequência, mais impacto inflacionário. No final das contas, o BC tem que fazer mais trabalho do que precisaria, caso a política fiscal jogasse a favor. Além desse aspecto, serão lançados R$ 40 bilhões na economia: se está pisando o pé no acelerador fiscal, enquanto o BC pisa no freio monetário. Será preciso mais juros e os custos virão.
E a interferência no ICMS dos Estados?
Os Estados são o esteio do resultado fiscal do governo e têm registrado superávits bastante elevados. No conjunto da obra, seguram a melhora fiscal do governo. Cortar receitas dos Estados, por motivo eleitoral, de curto prazo, gera piora do quadro fiscal permanentemente.
É um tiro no pé?
Sim, e, outra vez, em razão de interesses eleitorais de curto prazo. Nesse caso, se tenta reduzir um pouco o preço dos combustíveis, mas, se lá na frente vai quebrar as finanças estaduais, aumentar o risco país e a inflação, opta-se, mesmo assim, pelo interesse político. As regras existem para evitar que esse interesse eleitoral prevaleça, mas o que vemos, hoje, é a violação dessas regras. É o mito de Ulisses quando passaria pelas sereias (na Odisseia de Homero). Ele manda que o amarrem ao mastro para poder ouvir o canto das serias. Ele sabia que seu “interesse de curto prazo” seria atirar-se ao mar para juntar-se a elas e o que o impediria seriam as cordas. As instituições fiscais existem para isso. O pulo na água, nesse caso, é a reeleição e as amarras das instituições não servem para segurar o ímpeto do governo de lançar-se ao mar com consequências graves para o país.
Há reflexos para o emprego?
O mecanismo pelo qual o BC sobe juro para conter a inflação passa por desacelerar a economia. Sendo assim, em algum momento, vai chegar à taxa de desemprego. A taxa de 9,8%, em maio, traz a perspectiva que caia nos próximos meses. Ou seja, não haverá uma força de controle inflacionário pelo viés do emprego. Significa que o BC para ter sucesso no processo de desinflação terá de conviver com a elevação da taxa. Reduzir a inflação, requer, sim, taxa de desemprego mais elevada. Declarei isso há alguns anos, e recebo críticas até hoje, mas é o que acontece. Em algum momento essa taxa vai subir, porque é o mecanismo que se tem para conter a inflação, ainda não se inventou outro jeito.