Segundo principal destino do calçado brasileiro no exterior, a Argentina voltou a impor restrições às importações do setor. Há uma semana, em 27 de junho, o Banco Central da República Argentina (BCRA) alterou as condições de acesso ao mercado único de câmbio para pagamento de importações.
Conforme a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), a medida tende a limitar as importações de produtos do setor, saídos principalmente do Rio Grande do Sul, ao menos temporariamente. Um dos objetivos é mesmo conter a saída de dólares do país, para não deixar o nível de reservas internacionais argentinas abaixo do nível crítico — o país tem dívida de US$ 44 bilhões com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
O efeito líquido é que, até 30 de setembro, os pagamentos das mercadorias só serão liberados após 180 dias. Presidente-executivo da Abicalçados, Haroldo Ferreira, demonstra preocupação com a medida e diz que há risco de inviabilizar as operações de exportação de algumas empresas para o mercado.
— Considerando que o pagamento ocorrerá seis meses após a chegada da mercadoria no destino, alguns negócios serão prejudicados e outros inviabilizados — avalia.
A medida pegou de surpresa o setor calçadista, que passa por uma fase de recuperação. Conforme a Abicalçados, entre janeiro e maio as exportações de calçados somaram 64,24 milhões de pares, que geraram US$ 538,72 milhões, elevações de 30,3% em volume e de 66,5% em receita na comparação com igual período do ano passado.
A Argentina é o segundo maior mercado internacional de sapatos. Nos primeiros cinco meses do ano, comprou 6,82 milhões de pares, que geraram alta de 64% nas vendas em volume, para US$ 74,62 milhões, e de 93,7%, em valor, ante igual intervalo de 2021.
A medida é parte de novo endurecimento do "cepo cambiario", chamam os argentinos. "Cepo", tanto em espanhol como em gauchês, é um ponto onde se amarra algo. É exatamente esse o espírito das novas regras, adotadas para dificultar o acesso a dólares para importações do setor privado. O contexto é de escassez de reservas, com a alta nos preços internacionais de energia.
Desde a data da decisão, as reservas, que haviam caído a US$ 38 bilhões — quase um décimo das brasileiras —, voltaram para a casa de US$ 42 bilhões (clique aqui para ver a variação). A crise econômica na Argentina — a inflação em 12 meses chega a 60%, cinco vezes maior do que a do Brasil — vem se aprofundando, especialmente por falta de dólares, mas também por questões políticas.
No sábado, o até então ministro da Economia, Martín Guzmán, renunciou ao cargo. Entre os motivos, ataques sistemáticos de Cristina Fernández de Kirchner e seu grupo político — chamado tanto de "kirchnerismo", em alusão ao ex-presidente Néstor Kircher, marido de Cristina e morto em 2010, quanto de "cristinismo".
Vice-presidente da Argentina, Cristina tem travado uma queda de braço com o presidente Alberto Fernández. Guzmán era considerado um dos últimos ministros do grupo de Fernández. Sua sucessora, Silvina Batakis, foi uma indicação do grupo de Cristina. Nascida em Río Grande, na Terra do Fogo, era secretaria de Províncias do Ministerio do Interior, sob o comando de Wado de Pedro, considerado um "cristinista".