Há quase dois anos, quando era hora de ligar o alerta e tomar providências, o presidente Jair Bolsonaro pediu "patriotismo" aos mercadinhos, para não aumentar preços.
Agora, depois que a inflação cresceu tanto que precisou de dois dígitos para se assentar, pede aos supermercados o "menor lucro possível" - o mesmo que não consegue impor à Petrobras, controlada pela União (não deveria, mas ao menos estaria no seu quintal).
Então, falharam o presidente da República, que, em tese, é eleito para governar o Brasil, o ministro da Economia, Paulo Guedes, que tem responsabilidade direta pela gestão de custos e preços, o Banco Central (BC), cuja missão explícita é controlar a inflação. Sobrou para os supermercados. Agora, o BC se orgulha de ter começado antes de outros países o aperto no juro, mas internamente foi criticado por ter demorado a elevar a Selic e deixar a inflação voltar a dois dígitos.
Em reunião virtual da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) na quinta-feira (9), além do pedido presidencial, Guedes havia sugerido "nova tabela de preços, só em 2023" e pausa no aumento de preços por "dois, três meses". As declarações provocaram comparações com os tempos dos "fiscais do Sarney" – cidadãos que vigiavam o cumprimento da tabela de preços congelados do Plano Cruzado, nos anos 1980.
Pegou tão mal que, nesta sexta-feira (10), Guedes classificou os fiscais do Sarney como "uma desgraça do Brasil que não pode ser reeditada". Foi tarde. O universo econômico das redes já transmutava o ministro no ex-presidente:
Será que os supermercados também terão de alimentar os 33 milhões de brasileiros que passam fome e compensar a queda no rendimento do trabalho, a menor em uma década? Nesse caso, podemos eleger os supermercados para a Presidência da República.
Inflação é um problema global? É, mas no Brasil é mais alta. Os grandes "culpados" são pandemia e guerra? Em boa parte. Mas quem é eleito para governar precisa cumprir seu papel e assumir sua responsabilidade. Alguma, pelo menos.