Quando escreveu que o risco da falta de diesel deveria ser levado a sério, a coluna nunca imaginou que, dias depois, esse desafio fosse usado como desculpa para que o governo Bolsonaro cogitasse decretar calamidade pública econômica no Brasil.
Menos ainda que essa hipótese crescesse no dia em que o país teve uma surpresa positiva, embora agridoce, com o bom resultado do PIB do primeiro trimestre. No entanto, foi o que aconteceu: o entorno político do Palácio do Planalto, dominado pelo Centrão, analisava decretar calamidade pública para reforçar o Auxílio Brasil e subsidiar o preço dos combustíveis.
Como assim? Sob calamidade pública, a exemplo do que ocorreu em 2020, seria possível desrespeitar os limites orçamentários criados para proteger o Brasil do superendividamento. Foi um decreto assim que permitiu ao governo Bolsonaro a adotar medidas corretas, embora tardias, para enfrentar a pandemia de covid: auxílio emergencial, ajuda a Estados e municípios para reforçar o atendimento hospitalar, apoio a pequenos negócios.
Agora, o argumento para justificar a nova situação de calamidade seria a guerra na Ucrânia, que agravou problemas criados pela pandemia, como inflação e quebras nas cadeias de suprimentos que aprofundam a escassez e seguem elevando preços. Em levantamento divulgado nesta semana pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), 71% das fábricas do país enfrentam aumento de custos acima do esperado.
Na quinta-feira (3), o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, deu entrevista à CNN afirmando que havia, sim, possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro decretar estado de calamidade pública se "chegar a um ponto de uma situação como essa", Como não especificou a "situação", deu musculatura à especulação.
Conforme o site Poder 360, houve uma reunião no Planalto entre Bolsonaro, Nogueira, e os ministros Paulo Guedes, da Economia, Bruno Bianco, da Advocacia Geral da União, Adolfo Sachsida, de Minas e Energia, e Celio Faria Júnior, da Secretaria de Governo, para avaliar o decreto. O que se sabe é que o anúncio do PIB positivo acabou ajudando a afastar, ao menos por ora, a ideia. Guedes teria lembrado do óbvio: uma calamidade artificial elevaria a incerteza e, como consequência, faria o dólar subir. O efeito líquido, portanto, seria o contrário do esperado: mais inflação.
Guedes, no entanto, passou a semana na frigideira do Centrão, que o acusa de "entregar a eleição para Lula" por impedir cavalos de pau em políticas públicas. Então, até agora, o decreto de calamidade segue na gaveta. Mas a coluna consultou uma fonte que entende os movimentos do governo Bolsonaro, perguntando se algo assim seria possível agora, e a resposta foi:
— Nesses tempos, o que é impossível?
A política de preços da Petrobras
Para reajustar o preço nas refinarias, a Petrobras adota um cálculo chamado Paridade de Preços de Importação (PPI), adotado em 2016, no governo Temer. A intenção é evitar que a estatal acumule prejuízo com por não repassar aumentos de produtos que compra do Exterior, tanto petróleo cru quanto derivados, como a gasolina. A fórmula inclui quatro elementos: variação internacional do barril do petróleo — com base no tipo brent, que tem preço definido na bolsa de Londres —, cotação do dólar em reais, custos de transporte e uma margem definida pela companhia, que funciona como um seguro contra perdas.