Na sexta-feira (26), o país tomou conhecimento de um ofício enviado pela Petrobras ao Ministério de Minas e Energia (MME) e à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) alertando sobre o risco de desabastecimento de diesel no segundo semestre.
No governo, a reação foi apontar uma espécie de chantagem da estatal, após a decisão do conselho de administração que contrariou a intenção de fazer uma troca rápida no comando da estatal. A coluna consultou fontes do setor e colheu preocupações genuínas com o fornecimento desse combustível.
No ofício assinado pelo ainda presidente, José Mauro Coelho, a estatal alerta que "diante do cenário de escassez global de diesel e do cronograma de paradas programadas das refinarias —apesar dos melhores esforços da companhia, a Petrobras entende que há elevado risco de desabastecimento de diesel no mercado brasileiro no segundo semestre de 2022. Adicionalmente, há também grandes incertezas quanto aos níveis das cotações internacionais do produto nessa conjuntura de escassez".
Conforme Décio Oddone, ex-diretor-geral da ANP, como a guerra na Ucrânia não deve ter desfecho rápido, se as sanções relacionadas a óleo e gás russos forem implementadas, sobe o risco de desabastecimento. Além disso, lembra que a retomada do consumo na China pelo fim dos lockdowns aumenta o consumo e "pode causar um desequilíbrio na relação oferta-demanda".
Oddone alerta para o risco desde o início do mês, bem antes da advertência da Petrobras. Lembra que a Rússia responde por um quarto de todas as exportações globais de diesel e que esse mercado está passando por um "momento raro", com pressões de preço:
— Uma refinaria compra petróleo e vende o conjunto dos derivados por um preço médio por barril. A diferença é a margem de refino. A média histórica é de cerca de US$ 10. Nos momentos de alta, chegou a US$ 20. Nunca havia passado de US$ 30. Agora, está em US$ 60. Ou seja, com o petróleo a US$ 115, o consumidor paga, na média, US$ 115+ US$ 60, ou seja, cerca de US$ 175.
Lembra, ainda, que este final semana, seguido do feriado do Memorial Day nos Estados Unidos na segunda-feira (30), marca o início das férias escolares, a chamada driving season (temporada de dirigir), quando aumenta o consumo de gasolina por americanos:
— Se houver desequilíbrio, como o mercado de refino está apertado podem surgir problemas no suprimento de diesel na Europa e no mundo. Se aqui os preços não estiverem alinhados, ficará mais difícil trazer produto.
João Carlos Dal'Aqua, presidente do sindicato que representa os postos de combustíveis no Estado (Sulpetro), vê risco ainda mais imediato:
— Tem possibilidade de falta de S10 (diesel com menor teor de enxofre) em junho. A Refap cortou 15%, e as importadoras dizem que há até R$ 0,50 de defasagem. Não acreditamos em desabastecimento generalizado, mas novamente poderá ser seletivo, prejudicando especialmente aqueles que adquirem no mercado spot, sem contratos.
Oddone detalha que a questão da redução do enxofre, apontado como um dos responsáveis pela chuva ácida, virou outro ponto de estrangulamento:
— Para baixar o teor de enxofre, se usa gás natural. A partir do (CH4) se produz o hidrogênio (H2) usado nas unidades de hidrotratamento nas refinarias para tirar o enxofre do diesel. Quando o gás ficou muito caro na Europa, elevou esse custo ainda mais.
Em nota, o MME afirmou que, pelos dados mais recentes, "os estoques de óleo diesel S10 representam 38 dias de importação. Em outras palavras, se as importações desse combustível fossem cessadas hoje, os estoques, em conjunto com a produção nacional, seriam suficientes para suprir o país por 38 dias". Para lembrar, o Brasil depende bem mais da importação de diesel do que de gasolina. Se a intenção era tranquilizar, não parece ter sido muito efetiva.
A política de preços da Petrobras
Para reajustar o preço nas refinarias, a Petrobras adota um cálculo chamado Paridade de Preços de Importação (PPI), adotado em 2016, no governo Temer. A intenção é evitar que a estatal acumule prejuízo com por não repassar aumentos de produtos que compra do Exterior, tanto petróleo cru quanto derivados, como a gasolina. A fórmula inclui quatro elementos: variação internacional do barril do petróleo — com base no tipo brent, que tem preço definido na bolsa de Londres —, cotação do dólar em reais, custos de transporte e uma margem definida pela companhia, que funciona como um seguro contra perdas.