Secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord substituiu Salim Mattar no cargo. Antes, como secretário de Desenvolvimento da Infraestrutura, contribuiu para a elaboração do chamado Novo Marco do Saneamento. Com graduação em Engenharia Mecânica, é mestre em Administração Pública pela Universidade de Harvard, onde se especializou em investimentos em infraestrutura, e doutor em Engenharia pela Universidade de São Paulo (USP), focado em regulação do setor elétrico. Nesta entrevista à coluna, afirma que a privatização da Trensurb está travada por receios do Piratini, depois que vendas de estatais gaúchas deram visibilidade nacional a Eduardo Leite. Também disse que a meta é passar o controle da Eletrobras à iniciativa privada até 12 de maio. E admitiu que o leilão da Codesa, no dia 30 de março, foi a primeira privatização direta do governo federal.
Por que o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, disse que o leilão da Codesa foi a primeira privatização do governo Bolsonaro?
Foi a primeira privatização direta do governo federal. O que fizemos até então era considerado desinvestimento. Obtivemos R$ 240 bilhões com a venda de subsidiárias de estatais e participações minoritárias. O governo tinha, por exemplo, cerca de R$ 11 bilhões em debêntures da Vale, e União e BNDES tinham mais R$ 24 bilhões em ações dessa empresa. A venda da BR Distribuidora também é desinvestimento. Também foi a primeira privatização de companhia de docas da história do Brasil. Antes, ocorreram leilões de terminais que ficam dentro de portos. Dessa vez, foi a administradora de portos, que cuida de aspectos como drenagem, infraestrutura do entorno, pátios de manobra.
Haverá outras privatizações de portos neste ano?
O porto de Santos é a grande joia da coroa (maior do Brasil e da América Latina) e deve ser privatizado neste ano. Também devemos leiloar São Sebastião (litoral norte de São Paulo). Em 2023, vai ter a companhia de docas da Bahia, a Codeba, já incluída no PND (Plano Nacional de Desestatização.
A privatização da Trensurb segue prevista para este ano?
Ao contrário dos portos e da energia elétrica, que são serviços públicos de titularidade federal, no caso da Trensurb, somos só acionistas. O serviço de transporte público intermunicipal é de responsabilidade dos governos estaduais. Podemos privatizar a Eletrobras, combinada com a concessão de termelétricas, porque o governo federal é poder concedente e sócio. No caso da Trensurb, embora o projeto esteja bastante avançado, precisamos que o governo do Rio Grande do Sul viabilize a concessão. Estamos com essa pendência. Já submetemos estudos ao Piratini. Sem o aval para a concessão, não é possível avançar. Existem estudos, já está no TCU (Tribunal de Contas da União) e há disponibilidade orçamentária para garantir investimentos. No caso de Porto Alegre, há R$ 1 bilhão garantidos pelo governo federal. Mas precisamos do apoio do governo do Estado.
O Estado precisa assumir uma responsabilidade que é dele. Não sou eu que quero. É uma definição legal.
Qual é o problema?
Existe uma preocupação legítima com os efeitos permanentes que a pandemia traz ao transporte público. Houve redução na demanda. O governo gaúcho entende que será permanente, ou tem medo de que seja permanente. Eu acho o contrário. No "novo normal", como se costuma chamar o pós-pandemia, deve ser maior o uso do serviço público de transporte. Com o cenário internacional de explosão no preço dos combustíveis, ainda mais. Estamos falando de mais de R$ 1 bilhão de renovação do sistema. No Estado, existem trens com 35 anos. Imagine um sistema novo, com câmeras de segurança, estações renovadas... A demanda vai ser maior. Houve queda no metrô de Nova York, mas se recuperou rapidamente.
Qual o temor do Piratini?
Ter de assumir eventuais déficits do serviço no futuro. O ponto é que a titularidade do serviço é do governo estadual. Enquanto isso, o governo federal é questionado por órgãos de controle por ser o operador desse serviço sem contrato. A Constituição diz que o serviço público deve ser prestado diretamente pelo titular ou pelo concessionário. No caso da Trensurb, não tem titular nem concessionário, e é um serviço estadual. Estamos oferecendo uma oportunidade única ao Estado. Estamos não só pagando a modelagem (da privatização), com apoio do BNDES, mas ainda dispondo recursos nunca vistos. O Estado do Rio Grande do Sul precisa assumir uma responsabilidade que é dele. Não sou eu que quero. É uma definição legal. Preciso que assuma isso. É a oportunidade de o governo federal dá de bancar todo o capex (investimento fixo), e parte pago pelo investidor que vai entrar no projeto. O governo do Estado tem medo de, no futuro, se a demanda não aumentar, arcar com algum déficit. Não acho que isso vá acontecer, mas se acontecer, é de fato responsabilidade do governo do Rio Grande do Sul.
Então, o governo federal aceita bancar o que eventualmente faltar nesse fluxo de caixa descontado, que significa a expectativa de receber tarifas, descontados os investimentos necessários. O que faltar, o governo federal paga.
Em que seriam investidos R$ 1 bilhão na Trensurb?
Os serviços públicos de mobilidade urbana em geral são deficitários, porque existe o que chamamos de "poder de pagamento máximo do usuário", geralmente insuficiente para fazer os investimentos necessários a um serviço público de qualidade. O governo complementa por entender que há externalidades positivas que superam o custo financeiro do subsídio. Então, o governo federal aceita bancar o que eventualmente faltar entre a projeção de receber tarifas e o valor dos investimentos necessários. O que faltar, o governo federal paga. Estamos fazendo o mesmo em Belo Horizonte (na privatização do metrô, hoje administrado pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos, a CBTU), garantindo que vai ter material rolante de qualidade e as estações serão renovadas. Fazemos isso para garantir que o projeto comece de maneira correta.
Vista à luz do marco do saneamento, a privatização da Corsan é ou não necessária para assegurar os investimentos?
O Rio Grande do Sul é um dos Estados com menor índice de cobertura de coleta e tratamento de esgoto no Brasil. A Corsan perdeu a capacidade de investimento há muito tempo. No Rio, em Alagoas e no Pará, houve ágios enormes para as concessões de saneamento, mas nenhum desses três Estados privatizou suas empresas. No Rio, um agente privado pagou R$ 20 bilhões pelo direito de investir R$ 30 bilhões. O caso da Corsan é ainda mais interessante, porque será a primeira privatização plena do Brasil, a empresa será vendida. Isso é importante porque agentes internacionais que não atuam no Brasil não têm equipe local. Poderiam comprar a Corsan e usar como veículo de passagem para outros Estados. Seria uma referência de saneamento básico em todo o país. É uma oportunidade ímpar de atrair investidor capitalizado, que vai pagar muito bem por isso e quer contar com um grupo de engenheiros, advogados, outros profissionais do quadro da Corsan. Isso lembra o que ocorreu nos anos 1990: foi privatizado um pedacinho da Eletrobras, que se chamava Gerasul, com sede em Florianópolis. Na época, quem comprou foi a Tractebel, que hoje se chama Engie, e é maior do que a Eletrobras. E toda a diretoria era da Gerasul.
Isso é importante porque agentes internacionais que não atuam no Brasil não têm equipe local. Poderiam comprar a Corsan e usar como veículo de passagem para outros Estados. Seria uma referência de saneamento básico em todo o país.
A expectativa é de que um eventual comprador seja de fora do país?
É uma possibilidade. Quando se observa os resultados dos leilões, se vê operadores brasileiros. Se não estiver aqui, não consegue licitar uma obra do zero, não tem equipe. Mas se há uma estrutura montada, pode ser só um investidor financeiro, aí reestrutura e consegue expandir. Isso abre possibilidade para agentes internacionais. Vários grupos estão vindo para o Brasil, só em em associação a operadoras tradicionais do Brasil.
Há tempo para privatizar Correios e Eletrobras neste ano?
A Eletrobras, com certeza. Já está aprovado no Congresso, agora está no TCU para avaliação final. A expectativa é concluir na primeira quinzena. de maio. A data final é 12 de maio.
Por que a data é tão exata?
Como a Eletrobras negocia papéis em Nova York, a SEC (Securities Exchange Comission, que regula o mercado de capitais nos EUA) impõe limite de 134 dias para fazer oferta de ações a contar do fechamento do último balanço. Esse prazo iria até 13 de maio, que é um sábado, então precisamos fazer até 12 de maio.
E os Correios?
Os estudos estão adiantados, mas ainda não tem aprovação do novo marco no Senado.
A indicação de Adriano Pires para a presidência da Petrobras significa que haverá privatização?
Esse é um assunto complexo. Não tenho mandato para discutir nada sobre Petrobras hoje. É uma questão que só vem para a gente depois da qualificação da empresa no PND. E não tem nada feito, não.