Enquanto governo e Congresso debatem subsídios para os combustíveis, David Zylberstajn, ex-diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), sustenta que essa discussão está equivocada. Afirma que, em vez de ajudar toda a população — inclusive a parte que não precisa a comprar gasolina e diesel — , o governo deveria agir para socorrer quem mais precisa. Antes de baratear gasolina e diesel, seria preciso baixar preços de aluguel, carne, trigo, sustenta nesta entrevista em que também comenta o ensaio de uma nova mudança no comando da estatal que nunca foi tão criticada por quem, em tese, deveria se beneficiar de seus resultados:— Se for para voltar o que já foi feito, a Petrobras no governo Bolsonaro será igual à Petrobras no governo Dilma.
Por que você vê problemas nos mecanismos de suavização de reajustes de combustíveis?
Na prática, todas as propostas em discussão equivalem a beneficiar quem menos precisa em detrimento de quem mais precisa. Quando se critica a Petrobras por ser insensível, o certo seria dizer 'que bom que deu R$ 40 bilhões em dividendos e R$ 50 bilhões em participações governamentais, que permitem fazer política pública para quem precisa'. Em vez de a Petrobras subsidiar motoristas de automóveis a gasolina, os recursos deveriam ser usados para comprar material hospitalar, formar professores. Querem que a Petrobras faça caridade com quem não precisa. É simples assim. É muito surreal criticar a Petrobras porque deu muito lucro quando 40% do capital da empresa é seu. Tudo o que qualquer governo gostaria de ter é dinheiro no bolso para fazer políticas públicas adequadas. Governo e candidatos, tanto à direita quanto à esquerda, querem subsidiar donos de automóveis.
O aumento excessivo não impacta quem precisa mais?
Sim, pegar parte do dinheiro e criar um auxílio para o botijão de gás é totalmente certo. Criar um mecanismo provisório para ajudar taxistas e motoristas de aplicativos para compensar alta de custo de um instrumento de trabalho, é muito certo. Eu teria vergonha de ter a minha gasolina subsidiada diante de um frentista que vai para o trabalho em um trem enlatado. É vergonhoso. Os combustíveis têm de baixar para quem precisa.
Repasse de 18,5% na gasolina, quase 25% no diesel e 16% no gás, de uma só vez, não foi demais?
Foi um erro operacional da Petrobras. Isso não quer dizer que não deveria ter repassado, mas a empresa esperou muito para fazer o reajuste e provocou impacto muito grande. É bom lembrar que não subiu 18,5% na bomba, foi na refinaria, que corresponde a menos da metade do preço final. Deve chegar ao consumidor cerca de um terço disso. Se a Petrobras tivesse reajustado de forma mais suave, em etapas de 3% a 4%, não teria essa gritaria toda. Desse jeito, levantaram a bola para essa maluquice. Para muita gente a gasolina está cara, como para os motoristas de aplicativo, mas um dono de picape que usa diesel e tem um carro de R$ 300 mil, não faz diferença. As pessoas deveriam ter vergonha de propor fundo de estabilização para combustíveis. O que precisa de subsídio é aluguel, carne, trigo. O trigo aumentou quase 50% desde o início da guerra, mas ninguém fala em subsidiar pão, macarrão... E como fertilizantes e outros cereais sobem, a ração para os animais vai ficar mais cara, e as carnes vão ficar mais caras. E francamente, no mundo de hoje, propor subsídio para combustíveis fósseis é o atraso do atraso.
Essa é uma questão que não tem nada a ver com ideologia, tanto que o subsídio é defendido pelo atual governo e por dois candidatos de oposição. É uma questão de alocação de recursos. O governo do PT dizia que eu sou neoliberal.
Que ponto de vista tem essa crítica?
Essa é uma questão que não tem nada a ver com ideologia, tanto que o subsídio é defendido pelo atual governo e por dois candidatos de oposição (Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e Ciro Gomes, do PDT). É uma questão de alocação de recursos. O governo do PT dizia que sou neoliberal. Tenho um volume X de recursos e posso atender a população em geral ou a parcela mais necessitada. Ou dar dinheiro para empresas de transporte rodoviário. Ninguém questiona se tem lógica, se é eficiente ou ineficiente. É preciso discutir a eficácia da malha de transporte. Com a melhora das rodovias, o consumo de diesel cairia muito e a segurança nas estradas aumentaria, em vez de queimar dinheiro para gastar diesel.
Toda essa situação está levando a mais uma mudança na Petrobras. É inevitável?
Como foi feito com o (Roberto) Castello Branco. O governo trocou, e o general manteve a política de preços. O termo 'política de preços' é errado, o que a empresa tem é política de mercado. Se começar a fazer o que fez no passado, vai voltar a perder dinheiro e correr risco de quebra, sem contar que existe risco de desabastecimento. Dizem que a Petrobras é 'malvada', mas é uma empresa de petróleo, e precisa atuar como qualquer empresa, sem falar de PDVSA (a estatal venezuelana que subsidia o combustível no país, onde gasolina custa o equivalente a R$ 0,10). Se for para voltar o que já foi feito, a Petrobras no governo Bolsonaro será igual à Petrobras no governo Dilma. No fundo, é isso. É a mesma coisa. O pior é que tudo é muito recente. As pessoas não perceberam, não aprenderam.
Rodolfo Landim na presidência da Petrobras pode mudar a política de preços?
Não sei que mágica vai fazer. Se for para atender aos desejos do presidente, não tem jeito, a Petrobras vai sofrer, o mercado vai sofrer. Não vamos ter investimento. Ninguém vai investir em refinaria no país se o principal competidor vender combustível mais barato do que compra o produto. Não é aceitável. O governo tem de explicitar porque o general está saindo e Landim está entrando.
Mas terá condições objetivas para mudar a política, que está amarrada a regras?
Depois de tudo o que aconteceu no passado, quando o interesse da empresa foi aviltado pelo interesse do governo, houve evolução. O conselho e os diretores vão responder com o CPF. A CVM (Comissão de Valores Mobiliários, que fiscaliza as empresas de capital aberto) vai ter de atuar. Agora não é como no passado. Algumas pessoas aprenderam a lição. Acho pouco provável que um conselho sério aceite manipulação para favorecer o maior acionista. Isso é ilegal. No passado, havia certa tolerância. Hoje não tem mais espaço para isso. Ninguém pode fazer muito que não incorra em gestão temerária.