Quem conhece Clovis Tramontina estranhou quando ele anunciou que se aposentaria ao deixar a presidência do conselho de administração da empresa que leva o nome da família, mas tem outra família, Scomazzon, como sócia. Nesta entrevista exclusiva à coluna, concedida momentos antes de sua participação no Tá na Mesa, a reunião-almoço da Federasul, o empresário confirma as suspeitas de que a "aposentadoria" só pode ser escrita assim, entre aspas. Além de uma viagem para visitar a Expo Dubai — e conhecer as instalações da companhia no emirado —, Clovis tem um plano: criar um curso de liderança na família, na comunidade, nas empresas e na política.
— Sinto falta de lideranças — justificou à coluna.
Em entrevista coletiva, depois disso, o empresário confirmou o que havia projetado: neste ano, a Tramontina terá faturamento recorde, de R$ 10,1 bilhões, ultrapassando os dois dígitos de bilhões pela primeira vez na história.
O que guiou o processo de sucessão?
Quando começou a pandemia, estava em Xangri-la e disse à minha mulher, Nice: 'acho que está na hora de pensar em parar, porque a vida é finita e o tempo é curto'. Sempre digo que não trabalho, me divirto. Mas tem uma hora que é melhor deixar para os mais jovens. Sou uma pessoa de relacionamento. Ia duas vezes por mês a São Paulo e vendíamos bem. Na pandemia, não fui nenhuma e vendemos melhor (risos). Disse ao Eduardo, 'acho que não precisam mais de mim'. Brincadeiras à parte, conversando há um tempo com o seu Rui (Scomazzon, a família sócia na empresa), pai do Eduardo, disse que estava na hora de fazer um rodízio das famílias. Meu pai sempre foi o presidente, mas era um presidente institucional. O presidente de fato era seu Rui. Depois eu assumi, fiquei 30 anos, imprimi meu estilo próprio. Disse ao Eduardo: 'agora está na hora de fazermos uma alternância'. Quem sabe a gente muda e vocês, da família Scomazzon, assumem por três ou quatro anos? Depois, definimos quatro. Eles se reuniram entre eles, na família Scomazzon, tem o Joselito (Gusso), que também faz parte da família e é vice-presidente hoje. Então o Joselito passa a ser o presidente da holding, e o Eduardo, o presidente do conselho da Tramontina nos próximos quatro anos. E o vice-presidente vai ser meu filho Marcos. Mas não foi fácil convencê-lo.
Por que?
Ah, você ser presidente ou vice-presidente de uma empresa significa que não dá mais para sair de tarde, tomar cafezinho (risos). Então, acho que vai ser uma dupla sensacional, o Marcos tem 36 anos, o Eduardo tem 62. Os dois são pessoas que gostam de pessoas, que é um dos valores importantes da empresa. Outro fator importante é que eu e o Eduardo viajamos muito, e nós sempre acreditamos na marca. Então o Eduardo vai seguir muito esse aspecto de valorizar a marca da Tramontina.
Passados quatro anos, Marcos pode vir a ser o presidente?
Pode, vai depender do desempenho dele. Preparado, ele está. É uma pessoa que pode, sem problema nenhum, assumir a presidência. Sempre digo que quem vai tocar a Tramontina tem de ter paixão pelo negócio e tem de seguir os valores da empresa. Só perpetua o negócio se seguir os valores da empresa.
Estou trabalhando para montar um curso de lideranças com foco em quatro tipos de líderes: na família, na comunidade, empresariais e políticas.
Que tipo de "aposentado" será Clovis Tramontina?
Agitado (risos). Em fevereiro, quero ir para a Expo Dubai, e já quero conhecer a nossa nova estrutura da Tramontina lá. Disse para a Nice que vamos fazer uma programação de viagens durante o ano. Por que não vou visitar a fábrica de Belém? Faz tempo que ninguém vai lá. Mas aí é sem compromisso, vou passear, vou com tempo para tomar café com cliente, almoçar com outro.
E há previsão atividade extra-Tramontina?
Tem sim, estou trabalhando para montar um curso de lideranças com foco em quatro tipos de líderes: na família, na comunidade, empresariais e políticas. Porque eu sinto falta de lideranças. E o que é ser líder? Não é sujeito que conhece matemática, português, história do Brasil. É o que tem valores, de pessoas, que transcendem a parte do conhecimento técnico.
Acho que fico até o final do ano, agora. Maio é no aspecto legal, mas a partir de janeiro, estou liberado.
O que pretende fazer até maio?
Acho que fico até o final do ano, agora. Maio é no aspecto legal, mas a partir de janeiro, estou liberado. Tem de ser assim, eles têm de começar o ano. Ainda vou fazer a reunião de abertura de vendas, vai ser um evento virtual, porque gosto dessa área. E vou convidar Eduardo e Marcos, para apresentá-los.
A Tramontina foi uma das empresas beneficiadas pela pandemia, que valorizou a casa, mas que tipo de desafios apresentou?
A pandemia desarrumou tudo. Um contêiner que custava US$ 2 mil daqui para a China agora custa US$ 10 mil, US$ 15 mil para o frete. Não são valores exatos, é só para dar uma ideia. O aço explodiu de preço, teve escassez. Foi um período difícil. A Tramontina tem uma vantagem, porque nós trabalhamos com estoques. Em média, hoje, de três a quatro meses. Para alguns produtos mais estratégicos, temos um estoque com maior segurança. Outra vantagem competitiva que tivemos foi o fato de todos olharem para a casa. Nisso, a Tramontina teve um ganho muito importante. As pessoas foram para o mercado. O online foi importante, mas agora já há uma volta para o físico. Em novembro, todas as nossas lojas físicas bateram as metas.
Houve problema para atender à demanda?
A dificuldade de obter insumos, especialmente vindos da China, atrapalhou algumas entregas, especialmente de ferramentas. Mas fomos conversando com clientes, vendo se é possível trocar por outro produto. Nisso, teve uma perda, não saberia dimensionar quanto.
O Brasil está se tornando uma opção muito competitiva. Estamos vendendo muito para América Latina, África e Europa. E o mercado americano se abriu muito para nós.
E houve pedidos que não foi possível atender, em talheres, panelas...?
Panelas. Em panelas, vendemos toda a capacidade. E não foi só no Brasil. A Tramontina se tornou uma alternativa global, de produtos bons, de qualidade, com marca, e a preços competitivos, em contraponto a produtos asiáticos. Os asiáticos estão enfrentando problemas de energia, de transporte, ficaram muitos caros. O Brasil está se tornando uma opção muito competitiva. Estamos vendendo muito para América Latina, África e Europa. E o mercado americano se abriu muito para nós. Não sei se estão deixando de comprar da China, mas exportamos muito bem para os Estados Unidos. Além de talheres e panelas, estamos vendendo muito ferramentas. Fechamos contratos importantes nos Estados Unidos, com redes como Home Depot e Walmart. Neste ano, vamos chegar a cerca de US$ 400 milhões no total de exportação.
A Tramontina examina a possibilidade de abrir capital?
Por enquanto, não. Mas ninguém sabe o dia de amanhã. Se em algum momento não tivermos capital suficiente para levar adiante nossos projetos, podemos avaliar.
A porcelana Tramontina vai ser um produto premium, de alta qualidade.
E como está a previsão de entrada da Tramontina no segmento de louças?
Está produzindo, em fase de teste. Estou torcendo para que os pratos do nosso 'almoço do panetone', de encerramento do ano, já sejam de porcelana Tramontina. Oficialmente, inaugura em janeiro. A porcelana Tramontina vai ser um produto premium, de alta qualidade. Vamos começar com a linha Hospitality, para hotéis e restaurantes, que tem grande volume. Depois, vamos partir para as linhas para casa. Tivemos apoio da Finep e do BNB (Banco Nacional do Nordeste) para construir a fábrica em Moreno (PE), que vai ter cerca de 300 funcionários, é totalmente moderno. Para nós, será um aprendizado. Sabemos lidar muito bem com aço, mas em porcelana vamos aprender. Decidimos fazer porque queremos completar a linha para casa. E também porque há poucos fabricantes no Brasil.
Quer acrescentar algo?
Quero dizer que precisamos ter mais pensamento positivo. Depois da pandemia, temos a perspectiva de voltar ao crescimento, à vida normal. Sou um otimista. Acredito que vamos retornar à atividade e à vida normal. Na sexta-feira, vou tomar minha terceira dose de vacina. Perdi quatro irmãos, que nasceram antes de mim, porque não havia vacina. A vacina salva crianças e salva vidas.