Do ponto de vista do Equilibrista do Ano de 2021, o próximo ainda vai exigir muita capacidade de andar na corda-bamba. Eduardo Bettanin, presidente do grupo InBetta, indústria gaúcha com posições de liderança nacional em seus mercados, avalia que o grande desafio de 2022 para as empresas será compatibilizar os "preços altíssimos" de insumos com a falta de capacidade do consumidor de aceitar reajustes por falta de renda. O empresário, que recebe na sexta-feira (17) o prêmio do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef), descreveu de forma inusitada à coluna sua percepção dos últimos dois anos:
— A sensação foi de que a economia se gaseificou.
Mas garante que a indústria que comanda segue investindo, "às vezes com mais confiança, às vezes com mais coragem".
Como foi possível equilibrar os negócios em 2021?
Houve uma volatilidade gigantesca, a sensação foi de que economia se gaseificou. Muitas ferramentas deixaram de funcionar. Foi preciso buscar outros pontos de vista, abordar situações com parâmetros diferentes. Enfrentar volatilidade faz parte da formação do executivo no Brasil, mas esses dois anos superaram qualquer outro período.
Combinou inflação, uma velha conhecida, e pandemia, uma grande desconhecida?
Foi a primeira pandemia forte, mas não nossa primeira inflação. Comecei como executivo, em época hiperinflacionária. Era uma bagunça maior do que a de hoje. Mas agora se somou a questão de saúde, foi mais pesado. Foi preciso lidar com situações igualmente esdrúxulas.
Executivos de multinacionais eram treinados no Brasil. Se sobrevivessem, iam longe. Esse cenário voltou?
A reação do brasileiro é mais rápida. Talvez outros tenham até melhor abordagem, mas aqui não se pode perder tempo. É por isso que o prêmio é fantástico na concepção, por dar foco a essa qualidade do executivo brasileiro, de resolver os problemas de maneira efetiva e rápida, sem esperar que a neblina baixe. Vivemos um processo de esfria/aquece, foi quase uma pasteurização. Em um ano, faltaram materiais, no outro, o preço disparou.
Neste ano, a questão se inverteu: existe disponibilidade (de insumos), mas o custo está muito elevado.
O que foi mais difícil?
Em 2020, além da questão da saúde, para alguns setores, inclusive os das nossas empresas, foi aumentar a produção e atender à demanda sofrendo com a falta de insumos. Neste ano, a questão se inverteu: existe disponibilidade, mas o custo está muito elevado. É impossível repassar, porque o consumidor não teve aumento de renda na mesma proporção. O que se espera, neste futuro próximo de 2022, é que o preço dos materiais tenha um retorno. Mas aí entra a questão logística. Tudo isso torna o caldo bem difícil de digerir. Não é um fenômeno brasileiro, é internacional. Nessa hora, a qualidade das empresas faz muita diferença. As que estão melhor posicionadas, com cultura mais forte, investimentos constantes e grupo de profissionais bem preparados, fazem a diferença.
Houve aumento de produção na InBetta?
Sim, ainda no ano passado. Nos três segmentos em que atuamos, limpeza, construção civil e bazar, houve demanda maior. Isso ocorreu em todo o mundo e gerou escassez, que se refletiu na falta de produtos. Em seguida, veio o aumento no custo de aço, plástico, papelão. Compramos equipamentos, mas demoraram a chegar. Tivemos de usar os recursos disponíveis para a aumentar a produção. Isso foi a chave, inclusive para o prêmio. Foi um grande desafio. Fizemos com muito cuidado, o equipamento suporta bem uma carga extra, mas as pessoas não podem trabalhar ininterruptamente.
O quadro de pessoal aumento 10%, para 3 mil pessoas.
Foi preciso contratar mais?
Sim, ainda antes, porque adotamos distanciamento, mas quem não se sentisse confiante para trabalhar poderia entrar em licença de 14 dias, sem risco de dispensa. Quem teve qualquer sintoma ficou 15 dias de quarentena, com remuneração. Colocamos 400 pessoas em home office. Tudo isso nos fez contratar mais. Ficamos com três tipos de trabalho, o presencial, na fábrica, em home office, no escritório, e promotores e vendedores, em campo. O quadro de pessoal aumentou 10%, para 3 mil pessoas.
A exportação cresceu?
Exportamos cerca de 10% da produção. Queremos ampliar para entrar em mercados que foram tomados pela China. Mudou o mapa produtivo mundial. Grandes mercados passaram a buscar fornecedores alternativos.
Os americanos também?
Até a pandemia, compradores americanos e europeus nem buscavam alternativas à China, porque era mais barato, portanto melhor. Agora, passaram o olhar países como o Brasil, com economia forte e mercado interno grande. Nessa fumaceira toda, com dólar e materiais subindo, o que estava se encaminhando para uma excelente oportunidade agora está mais complexo. Ficou difícil para importar, tudo sobe na China, em todo lugar. O momento não está fluido, há atrito na cadeia produtiva. Mas ainda é uma oportunidade, desde que Estados Unidos e Europa considerem necessário diversificar. Todas as nossas empresas exportaram mais, e temos projeto para aumentar. É importante ter um hedge (garantia contra variações) em dólar.
É preciso fazer investimentos constantes, às vezes com mais confiança, em outras com mais coragem.
Houve investimentos?
Investimos sempre. Mesmo em uma época difícil, entre 2015 e 2016, fizemos uma fábrica totalmente nova para a Atlas. É preciso fazer investimentos constantes, às vezes com mais confiança, em outras com mais coragem.
A empresa é líder em vários de seus segmentos, não?
Em ferramentas para pintura, a Atlas é a número 1 no Brasil. A Bettanin, no que se chama de limpeza mecânica, que não envolve produtos químicos, também é a primeiro no país. A Sanremo, em bazar, é líder ou colíder, porque é um segmento com dados menos auditados. Temos outras empresas se desenvolvendo, como a Ordene, de organização, a Superpro, de produtos de limpeza para shoppings, hotéis. Ainda vamos apresentar novidades da Lanossi, de higiene e beleza, que tem alicates, escovas, água micelar. Temos um laboratório que investe em tecnologia, o Btech, que pesquisa smart materials (que podem ser alterados para provocar determinada propriedade). E ainda estamos iniciando com a Lots, lojas de varejo de produtos de bazar, com e-commerce.