Com várias passagens anteriores, Rodrigo Zeidan mora de forma permanente em Xangai, na China, desde 2015, quando foi contratado pela New York University (NYU) para o campus na metrópole oriental – há outro em Abu Dhabi. Agora, o professor de Prática em Negócios e Finanças é uma das vozes que tentam ajudar a entender causas e consequências da crise da Evergrande, coração da bolha imobiliária da China. Como está ligado a uma universidade estrangeira, Zeidan pode usar WhatsApp, que foi a forma de conversa com a coluna. A relativa calmaria nos mercados, observou, pode ter relação com o feriado da China, que marca o início de outono por lá. Como o país está 12 horas à frente, essa calmaria pode estar, literalmente, com as horas contadas.
Qual é o tamanho dessa crise?
O setor imobiliário representa 11% do PIB da China, um peso muito maior do qualquer outro lugar do mundo. O país ainda tem 500 milhões de pessoas vivendo no campo. E uma das características da China, que poucas pessoas entendem, é que é muito descentralizada. Há empresas de construção que atuam somente em determinadas províncias, e até em cidades específicas. Muitas vezes, decisões são tomadas no âmbito local, como um administrador de uma vila de 100 mil pessoas decidir que é preciso metrô. Outra questão é que muito da renda dessas cidades pequenas vêm da venda de terrenos para incorporadora. Na área rural, as pessoas têm direito ao uso, mas não têm a posse da terra.
Pode haver quebradeira, efeito sistêmico?
Poderia se o governo não segurasse. O governo da China não vai deixar empresas quebrarem loucamente. Não é como o caso da Odebrecht quebrando no Brasil. É muito mais complicado. O grande problema, que ninguém sabe, é quem são os credores da Evergrande. Como fazia negócios no país inteiro, tem contratos de empréstimos com mais de cem bancos, a maior parte chineses, mas também tinha grande participação em Hong Kong.
Há menos transparência porque se trata da China?
Não, é como em qualquer lugar. Pode-se conhecer o endividamento total de uma grande empresa, mas não se sabe com exatidão quem são os credores. E aqui o setor imobiliário é complicado, tem ciclo muito longo. As empresas precisam pegar muito dinheiro emprestado para vender, construir e entregar. Só se sabe anos depois se ganhou dinheiro na operação. Então, não sabe se uma incorporadora é uma empresa viável.
Sua confiança de que o BC da China vai intervir é ancorada na lógica financeira ou em algum sinal específico?
Vem da lógica do sistema financeiro. No caso do Lehman, o Federal Reserve (Fed, BC dos EUA), escolheu não salvar, depois viu a besteira que fez. O governo chinês não vai deixar acontecer. Qualquer regulador não deixaria o sistema financeiro colapsar. A crise na Europa que se seguiu à quebra do Lehman só terminou quando o então presidente do BCE (Banco Central Europeu), Mario Draghi, avisou que faria "whatever it takes" (tudo o que for preciso) para resolver o problema. Quando se trata de moeda local, os BCs podem ligar as máquinas de imprimir dinheiro.
Existe a percepção de que o governo chinês demora a agir para mandar mensagem ao setor de que não aceitará superendividamento. Como isso condiciona as decisões do BC local?
Isso foi exatamente o que ocorreu com o Lehman. Havia o chamado risco moral. A decisão do Fed foi não socorrer, dizendo 'preciso que vocês entendam que tomar risco é ruim, por isso precisam sentir dor'. Quem sentiu dor foi o mundo inteiro. Hoje (terça-feira, 21) foi tranquilo porque é feriado de início de outono na China.
Amanhã ou quinta-feira, quando há um vencimento importante da Evergrande, pode piorar?
O problema não é mais a Evergrande. Agora, é preciso olhar as outras empresas do setor, os bancos, o crédito. Com medo de calote, os bancos podem parar de refinanciar as outras empresas. Uma outra empresa do setor pode chegar ao banco e dizer 'quero rolar', provavelmente vai ouvir 'não vai rolar, pode pagar'. O grande risco é o sistema financeiro não refinanciar mais ninguém. Aí seria um problemaço. O governo chinês terá de ter seu momento 'whatever it takes'.
O setor de construção deve desacelerar o PIB chinês?
Qualquer redução do crescimento da China impacta o mundo inteiro. É possível que tenha efeito grande no PIB chinês. O problema maior não é o setor, mas o que gera nas outras empresas. Vão segurar investimentos? Vão olhar o comportamento dos bancos e decidir que precisam manter caixa, porque não sabem como poderão se financiar.
Então haverá reflexos com ou sem intervenção?
Sim, porque há o efeito multiplicador. Vai ser dor na veia. O BC chinês não precisa anunciar publicamente qualquer medida. Pode simplesmente dizer aos bancos para voltar a financiar, os bancos vão anunciar às empresas.
E a intervenção terá um custo?
Sim, e não só o Brasil, que é muito dependente de exportações para a China, que vai sentir. O mundo inteiro sente. As empresas de luxo, Paris, a Alemanha vai sentir muito. É como se os EUA parassem de crescer. Todo mundo sente.