Com a aposentadoria de Todd Chapman, o posto de embaixador dos Estados Unidos no Brasil é exercido por Douglas Koneff, no cargo de Encarregado de Negócios interino. Algumas das credenciais para o cargo estão no currículo: já atuou como secretário executivo adjunto do Conselho de Segurança Nacional na Casa Branca entre 2009 e 2011 e atuou em comitês de gerenciamento de crises. Na sexta-feira (10), Koneff esteve no Estado. Assistiu ao desfile dos campeões na Expointer e relatou ter ficado impressionado com os animais. Também dedicou atenção à entrega de US$ 42 mil para a digitalização de arquivos do Museu de Artes do Estado (Margs), por meio do Fundo dos Embaixadores, gerido pelo Escritório de Assuntos Educacionais e Cultura do Departamento de Estado dos EUA.
— É para preservar registros, mas também para que mais pessoas tenham acesso a esse material. É uma forma de demonstrar como os EUA respeitam a cultura de outros povos. Nosso pessoal no Consulado de Porto Alegre teve essa ideia, que aceitamos com prazer.
Outro ícone da cultura gaúcha esteve na programação de Koneff, que deu esta entrevista bilíngue à coluna — o diplomata fala um ótimo português — depois de almoçar no restaurante do Theatro São Pedro. Foi a primeira gravada que concedeu desde que assumiu o cargo.
Como governo Biden vê a indicação do Brasil de possibilidade de as chinesas, especialmente a Huawei, fornecerem equipamentos para implantação do 5G, adotando um sistema privativo de comunicações para o governo?
Para mim, 5G não é uma questão de empresas ou países, mas é de segurança da comunicação. Brasil, EUA e outros países têm de decidir como lidar com essa nova tecnologia de forma segura. Definir como é possível evitar que a privacidade de pessoas como eu e você seja perdida, e como proteger empresas. A tecnologia do 5G é muito transformadora, vai mudar a forma como gerenciamos energia, saúde. Por isso, envolve decisões importantes. Temos conversado com o Brasil e outros países como fazer isso de forma segura. O Brasil está concluindo a elaboração de seu edital, o que é maravilhoso, parabéns ao ministro Faria (Fábio Faria, ministro das Comunicações) por isso. É realmente o Brasil que tem de decidir como fazer. Nós apresentamos nossas ideias e nossa visão. Mr. Faria viajou para Washington para aprender mais sobre como uma rede privativa pode funcionar. Também falamos sobre outras alternativas, como Oran (Open Radio Access Network), uma solução de 5G baseada em softwares, que não depende de um único fornecedor, tem múltiplos fornecedores, é flexível e mais barata. É algo que os EUA, Japão, Coreia do Sul e países da Europa estão olhando. É outra alternativa para o Brasil, que está procurando a forma mais eficaz de usar essa tecnologia.
O que estamos dizendo, nas conversas com o Brasil e outros países, é que, dependendo do tipo de rede 5G que for adotado, poderemos ter de tomar decisões sobre como vamos compartilhar dados, para manter as nossas informações seguras.
OS EUA haviam sinalizado que não poderiam compartilhar sistemas de defesa com o Brasil caso a Huawei fornecesse equipamentos. Com o sistema privativo do governo brasileiro, essa questão está solucionada ou ainda há cautela?
Nós não sabemos ainda como será a rede 5G no Brasil. Está realmente no início do processo. O que estamos dizendo, nas conversas com o Brasil e outros países, é que, dependendo do tipo de rede 5G que for adotado, poderemos ter de tomar decisões sobre como vamos compartilhar dados, para manter as nossas informações seguras. É por isso que 5G é realmente sobre segurança da informação.
A Embaixada trabalhou mais do que o usual nos dias anteriores e posteriores a 7 de Setembro para informar o que estava ocorrendo no Brasil?
Para mim, o 7 de Setembro foi uma grande expressão de democracia. Tivemos pessoas se manifestando, algumas de um lado, outras de outro. O que vimos como positivo é que essas manifestações foram pacíficas, o que esperamos em qualquer democracia. Vimos muitos comentários nas mídias sociais, e em outros tipos de mídia, sobre extremos, o que de pior poderia acontecer, então ficamos muito satisfeitos que tenha sido majoritariamente pacífico. É a expressão natural da democracia.
Um dos temores era a repetição do episódio de invasão do Capitólio, como ocorreu nos EUA. Como o país pode atuar para fortalecer a democracia, neste momento de desafio ao sistema?
Vejo a democracia brasileira funcionando extremamente bem. O Brasil tem instituições democráticas que estão mostrando a sua força. Temos grande confiança de que as instituições, especialmente os três poderes, continuarão a funcionar como devem sob democracia. Temos confiança de que as eleições serão livres e justas.
É uma grande oportunidade para o Brasil ser um líder no combate às mudanças de clima. Ficamos muito felizes em ouvir o que disse o presidente Bolsonaro em abril, na Cúpula de Líderes sobre o Clima. Nossas conversas, deste então, foram sobre como transformar essas promessas em práticas.
Qual é a expectativa dos EUA sobre o que o Brasil vai apresentar na Conferência do Clima em Glasgow, já que o país tem um papel ambiental relevante?
Temos grandes expectativas, não só para o Brasil, mas para todos os países, porque é um tópico muito importante. Pode-se dizer que, depois da covid, é a maior prioridade do meu governo. É a razão pela qual temos falado com muitos países, incluindo o Brasil. O Brasil realmente tem um papel importante, é um líder em muitos aspectos, como na produção de energias renováveis, por exemplo. É uma grande oportunidade para o Brasil ser um líder no combate às mudanças de clima. Ficamos muito felizes em ouvir o que disse o presidente Bolsonaro em abril, na Cúpula de Líderes sobre o Clima. Nossas conversas, desde então, foram sobre como transformar essas promessas em práticas. A COP26 é uma grande oportunidade para o Brasil ser líder outra vez.
O compromisso do Brasil de atingir a neutralidade nas emissões de carbono até 2050 não é pequeno diante das mudanças climáticas?
Vimos a decisão do Brasil de elevar sua ambição de se tornar neutro em emissões de carbono até 2050, em vez de 2060, encurtando esse prazo em 10 anos, como um grande anúncio, alinhada à de outros grandes países. Além disso, o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030 também é muito ambicioso. E sabemos que há uma discussão no Congresso para antecipar essa data para 2025. Vemos tudo isso como grandes passos e consideramos que o Brasil é sincero sobre a necessidade de enfrentar o desafio das mudanças climáticas. Todos os demais têm de fazer o mesmo, inclusive os EUA.
Quando um governo começa, precisa parar, definir suas prioridades, e seguir trabalhando da mesma forma, e muito, com as prioridades definidas, como a mudança climática.
Havia um claro alinhamento entre os presidentes Trump e Bolsonaro. Como tem sido a relação no governo Biden?
Os presidentes Biden e Bolsonaro têm trocado cartas, mas tudo isso deve ser sobre a relação de longo prazo entre Brasil e Estados Unidos. Temos uma relação de 200 anos, muito mais tempo do que tenho de casado (risos), uma relação ampla e profunda. E realmente não importa um governo, em particular. Trabalhamos em muitas áreas, como comércio e investimentos, segurança, democracia. Quando um governo começa, precisa parar, definir suas prioridades, e seguir trabalhando da mesma forma, e muito, com as prioridades definidas, como a mudança climática.
Um dos acordos firmados entre Trump e Bolsonaro envolvia facilitação de comércio. Como têm avançado essas medidas, e quanto dependem da solução do 5G?
Não há conexão entre 5G e acordos de comércio e investimento. Esses são temas com metas de longo prazo para trabalhar em conjunto. Os protocolos assinados em outubro passado mostram que o Brasil se torna ainda mais alinhado às economias ocidentais, e isso é muito importante. Você mencionou facilitação de comércio, também assinamos protocolos para práticas regulatórias e práticas anticorrupção. Estamos falando sobre novos protocolos no futuro.
Há um prazo para concluir essas negociações, não estão muito lentas?
Não, não há. A pandemia mudou tantas coisas e o Brasil tem muitas prioridades. Esperamos que esses protocolos sejam ratificados em breve, mas o Brasil tem uma agenda legislativa ambiciosa. Vamos continuar avançando para alinhar nossas economias. Na pandemia, fica difícil até dizer o que é lente e o que é rápido, é uma época maluca.