Advogado e consultor em Direito do Estado, Ericson Scorsim parece uma daquelas pessoas que carrega o destino no nome, mas assegura que a inspiração dos pais não foi a sueca Ericsson, uma das maiores fabricantes de equipamentos para telefonia celular de quinta geração, a 5G. Mas é sobre esse tema que o advogado concentra seus estudos, especialmente no xadrez de poder entre as duas maiores potências, que têm, neste momento de definições, o Brasil sob seu radar. Não sem polêmica, o governo deve encaminhar a aprovação do edital para o espectro 5G, que vai redefinir o uso de tecnologia. A observação atenta desses movimentos fez Scorsim escrever o livro Jogo Geopolítico entre Estados Unidos e China na Tecnologia 5G: Impacto no Brasil, publicado pela Amazon.
O julgamento do edital no TCU não foi tranquilo como se esperava, mas deve avançar?
A percepção é de que houve pressão. Um dos ministros pediu vista, e o colegiado deveria respeitar. O edital chegou ao TCU neste ano, no trâmite normal o prazo de 60 dias para o pedido fica dentro da razoabilidade. Mas como há essa pressão a pedido do governo, foi acelerado. A princípio, deve ser resolvido na sessão desta quarta-feira (25). O relatório técnico apontou uma série de irregularidades e propostas de aperfeiçoamento. Tem muita coisa em jogo, é a definição de um novo padrão de tecnologia que vai gerar efeitos por décadas. Os técnicos têm responsabilidade de aperfeiçoar as regras do jogo, cuidar da economicidade e até evitar risco de judicialização. A cautela seria necessária. Mas o governo precisa de caixa, tem pressa para que o valor da arrecadação entre no Tesouro. Só isso justifica a pressão que houve.
Essa pressa pode ter custo?
Quanto maior for o valor que o governo incluir como ônus, menor será a verba total de investimento líquido. Os projetos de uma rede privativa para o governo, conectividade na Amazônia e nas escolas, além de R$ 1 bilhão para limpeza do espectro são relevantes, mas talvez não fosse a melhor forma de financiar (todos estão previstos no edital como destino da arrecadação no leilão). A tendência da maioria do TCU é aprovar e recomendar pontos para a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Esse modelo adotado no 3G, no 4G, tem seus méritos, mas não resolveu o maior problema do Brasil, que é falta de conectividade total. Hoje, ainda 80% dos brasileiros depende do pré-pago. Temos ilhas isoladas de excelência, mas cidades no interior onde falta sinal.
Vai iniciar pelas áreas mais rentáveis, nos bairros mais ricos, nas grandes corporações, para fábricas, fazendas, telemedicina.
O governo tem dito que o leilão será 100% não arrecadatório, para incluir esses projetos. Não é o ideal?
O certo seria onerar o menos possível, já é um setor com carga tributária pesada nos âmbitos federal e estadual. Em visão otimista, o leilão ocorre ainda neste ano, a Anatel aprova e, em 2022, começa a implantação, mas ainda a conta-gotas. Vai iniciar pelas áreas mais rentáveis, nos bairros mais ricos, nas grandes corporações, para fábricas, fazendas, telemedicina. O problema é que os 80% dos brasileiros que não conseguem nem manter uma linha de 4G, um celular mais ou menos, imagina um 5G, que vai ser mais caro.
Algo no edital deveria mudar?
O que poderia incluir seria uma política de competividade para que provedores regionais pudessem participar do leilão. Só quem estiver muito capitalizado poderá participar do leilão com chances de vencer. Então, nesse cas, só com edital não teria como dar conta. Seria preciso ter uma política econômica. No Rio Grande do Sul, assim como em Santa Catarina e no Paraná, já existem pequenos e médios provedores com chances de crescer, para que existam mais operadores grandes. No Brasil existem três, perdemos a Oi. É um mercado muito concentrado.
Tenho visão bem protetiva da soberania, mas a decisão dos EUA nega os príncipios de livre-comércio por uma suposta razão de segurança nacional.
A rede privativa para o governo resolve a questão da restrição à Huawei?
Essa é uma questão que me incomoda, como brasileiro. Há muita pressão dos Estados Unidos, por um problema deles. Lá, em Montana, havia bases aéreas com sistema de defesa nuclear com tecnologia da Huawei. Aí faz sentido restringir. Tenho visão bem protetiva da soberania, mas a decisão dos EUA nega os príncipios de livre-comércio por uma suposta razão de segurança nacional. O ideal seria ter tecnologia brasileira, desenvolvida por empresas brasileiras, mas não temos. Agora, o governo vai definir as regras de segurança cibernética, decidir qual é a tecnologia mais segura. Os Estados Unidos acusam a Huawei de espionagem, mas não tem provas. Por outro lado, está comprovado que os EUA espionaram o Brasil em 2013. Em qualquer caso, o Brasil precisaria de um acordo de não espionagem.
Nessa reta final, é possível ter certeza de que não haverá restrições às chinesas?
No Brasil, certeza nem com bola de cristal. Mas houve consideração sobre o risco de adotar restrição na nacionalidade, porque impactaria o comércio. A China poderia deixar de comprar soja, minério de ferro. Nas declarações, estão dizendo que o Brasil deve ficar neutro diante desse conflito geopolítico e geoeconômico. É a atitude mais prudente, uma proteção da soberania brasileira e a defesa de interesses comerciais sem traumas nem fricções desnecessárias. Mas essa posição é no momento desta conversa, a princípio e em tese. Há muitos interesses envolvidos. Nos EUA, trocaram tudo, mandaram remover equipamento da Huawei. Lá, tem dinheiro sobrando, aqui é outro jogo, não podemos nos dar a esse luxo. Se há algum legado positivo da pandemia é a consciência da importância de ter infraestrutura de conectividade para sobreviver, trabalhar em casa, comprar comida e remédio. Tem defeitos? Tem, mas vamos melhorar. Se o Brasil levar serviços como o SUS para o digital, se levar conectividade às áreas rurais, teremos ganhos.