Se até a coluna considerou uma ironia o fato de o Sul precisar ser socorrido por energia do Nordeste, região para a qual o Rio Grande do Sul perdeu muitos projetos nos leilões de energia, imaginem os empreendedores do setor.
Ricardo Pigatto, presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), usa a imagem das causas de acidentes de avião — nunca é apenas uma — para explicar a falta de projetos no Estado nos últimos anos.
— Estamos com falta de geração na ponta do sistema integrado porque o nível das barragens de hidrelétricas está baixo, houve atraso nas obras de transmissão por problema com a Eletrosul, e ainda temos um processo moroso de licenciamento ambiental. A somatória nos leva a ter de importar energia no Nordeste, do Uruguai e da Argentina. No caso desse dois países, estamos pagando até R$ 1,5 mil por megawatt-hora (MWh), quando o preço do MWh nos leilões está em R$ 190 para eólicas, R$ 270 para PCHs e R$ 350 por térmicas a gás natural.
Ou seja, estamos pagando quase 10 vezes acima do custo de implantar novas unidades de geração, por falhas no modelo adotado até agora. Segundo Pigatto, começa a surgir um esboço de solução para outro problema, o fato de os projetos gaúchos serem mais "caros" do que os nordestinos, especialmente por financiamentos subsidiados do Banco do Nordeste (BNB). Está em estudo na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a adoção do chamado "sinal locacional", espécie de vantagem concedida à geração de energia perto dos grandes centros consumidores. Ainda que prospere e seja adotada, porém, será um sinal para o futuro.
— Vamos continuar com esse problema ao longo de todo 2022 — adverte Pigatto.
Conforme o empresário, o fato de o Sul ter de ser abastecido pelo Nordeste envolve perdas de cerca de 15% da energia transportada e acentua o desequilíbrio entre oferta e demanda, que embute risco de apaguinhos, ou seja, interrupção do abastecimento por algumas horas.
— Isso vai acontecer (o desequilíbrio). Por isso, o governo está incentivando a redução voluntária de demanda, para baixar a curva do pico e reduzir esse risco.
Outro empreendedor com larga experiência no setor, Telmo Magadan, pondera que o esforço para gerar energia perto do centro de carga deve ser permanente no Estado, especialmente pela situação de "ponta do sistema" — o Sistema Integrado Nacional (SIN) termina no Rio Grande do Sul, o que significa maior desafio para abastecer e equilibrar o abastecimento.
— Tenho batido nessa tecla, o Estado tem de aumentar a geração de energia eólica. Essa é uma grande dádiva, que é poder compensar essa geração com energia hídrica. O Rio Grande do Sul tem vantagens pouco divulgadas, deveria fazer uma grande mobilização para mostrar as boas condições de implantação de parques eólicos aqui.
Para Magadan, o cenário dos últimos anos, em que o Estado perdia muitos projetos para o Nordeste, pode virar. Projetos gaúchos foram barrados em leilões públicos por restrições de conexão. Com o avanço das obras de transmissão, o sistema está robusto, enquanto Estados nordestinos enfrentam restrições agora.
— Ficamos cinco anos fora, mas estamos com tudo resolvido. Nos próximos 10 ou 15 anos, não teremos problema de transmissão.
Magadan também provoca os bancos públicos gaúchos, como o BRDE, para que ao menos ajudem a equilibrar o efeito do subsídios do Nordeste.
— Muitos empreendedores têm projetos prontos de parques eólicos, é possível construir em um ano e meio. Além de energia, geram empregos, tecnologia, produção nas indústrias locais. Temos de fazer um movimento mais unitário, conjunto, para mostrar todas essas vantagens do Rio Grande do Sul, para atrair investimentos em todos os setores.