Demorou, mas Jair Bolsonaro atingiu um limite: o da tolerância de grandes empresários e representantes da sociedade civil às sucessivas bravatas golpistas do presidente.
O manifesto "Eleições serão respeitadas" reúne boa parte da elite econômica do país, como Luiza Helena e Frederico Trajano, do Magazine Luiza, Roberto Setúbal e Pedro Moreira Salles, do Itaú Unibanco, Carlos Jereissati Filho, dos shoppings Iguatemi, Pedro Passos e Guilherme Leal, da Natura, e Luis Stuhlberger, gestor do Fundo Verde, um dos maiores do Brasil.
O texto deixa clara a exasperação com a insistência de Bolsonaro no questionamento do sistema eleitoral que o elegeu e na ameaça à realização do pleito, nas regras que são respeitadas desde a redemocratização: "A sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias". É disso que se trata: a cada desafio às "quatro linhas da Constituição", Bolsonaro adiciona tensão a um processo de estabilização que é uma conquista de toda a sociedade brasileira.
O manifesto atual tem muito em comum com o anterior, focado na crítica à gestão da pandemia, inclusive com muitos dos mesmos signatários. Pilares da economia no país, como os ex-ministros Pedro Malan, Persio Arida e Pedro Parente, e o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga também aderiram ao texto.
A gota d'água foi a infame live da última quinta-feira, quando Bolsonaro prometeu entregar provas de que houve fraude no pleito que o elegeu, mas se limitou a levantar novas suspeitas sem sustentação. O "evento" já rendeu ao presidente a inclusão no inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura divulgação de informações falsas e o envio de uma notícia-crime à Procuradoria-Geral da República (PGR) por parte da ministra do STF Cármen Lúcia.
A tensão que Bolsonaro cria com ameaças em série à realização da eleição não ofendem apenas os eleitores - inclusive os seus, que usaram o sistema legitimado por colocar na Presidência políticos de todos os matizes partidários. Na lista, o "poder civil" aparece com nomes relacionados a religião e espiritualidade, como os do cardeal Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, do rabino Michel Schlesinger, da Congregação Israelita Paulista, e da Monja Cohen. Ainda há integrantes da Academia Brasileira de Letras, como Candido Mendes de Almeida, profissionais da saúde como Drauzio Varella e Margareth Dalcolmo e jurista como Joaquim Falcão.ida a lisura da escolha parece uma forma de justificar uma eventual derrota, já que a rejeição a Bolsonaro cresce nas pesquisas de opinião, como a mais recente realizada pelo site de notícias Poder360. Mas também fragiliza o país e sua economia, agravando o desgaste de imagem brasileiras provocado pelas atitudes em relação ao ambiente. É o segundo grande recado do poder econômico a Bolsonaro. Pode ser outra vez desafiado. Mas tem efeito acumulado.