O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Depois de mais de um ano do início da pandemia, os consumidores brasileiros mostram que os novos hábitos e mudanças de comportamento adquiridos em 2020 terão continuidade ou mesmo aceleração nos próximos anos. É o que aponta a nova versão do estudo EY Future Consumer Index 2021 (FCI), produzido pela EY-Parthenon, com base em pesquisas realizadas com quase 15 mil consumidores de 19 países. No país, Cristiane Amaral, líder do segmento de Varejo e Bens de Consumo da EY no Brasil e América do Sul, e Sergio Menezes, sócio da EY-Parthenon, percebem que uma das tendências indica que as dimensões tradicionais como preço, qualidade e disponibilidade ganharam importância, porém, os impactos causados pelas empresas terão mais relevância. O cenário abriu margem para ampliar o relacionamento com clientes, investindo não apenas em inovações tecnológicas, passando por melhores experiências em relação a toda a jornada do consumidor, mas também em soluções que valorizem os aspectos sociais, ambientais e de governança (ESG).
Como será este novo consumidor no futuro?
Cristiane Amaral - O mundo hoje é muito dinâmico, sofrendo mudanças a todo instante e de forma muito rápida, fazendo com que qualquer análise sobre este cenário futuro também precise ser revista a todo instante. Mas é certo que o consumo em todo o mundo será bem diferente do que estamos vendo hoje, em grande parte pela evolução do comportamento das pessoas na cadeia de consumo, que foi muito afetada e acelerada pela pandemia. As empresas terão que ficar cada vez mais atentas aos anseios desse novo consumidor do pós-pandemia, observando as oportunidades de negócios que surgirão daqui em diante. Dentro do que já é possível observar, a tecnologia estará cada vez mais presente na vida das pessoas na hora da tomada de decisão de compra, seja de um produto, seja de um serviço. Isso vale não apenas para o comércio eletrônico, mas também para o varejo nas lojas físicas, uma vez que a jornada de compra terá que mesclar os mundos físico e digital, permitindo que as pessoas façam suas compras da maneira que acharem mais conveniente e de onde estiverem, facilitando todo o processo. Outro ponto relevante apontado no estudo reside no fato de que não adianta mais as empresas anunciarem que têm o melhor produto ou serviço e com o melhor custo-benefício. O preço ainda é e continuará sendo um fator importante e determinante para as compras, mas os consumidores estão mais conscientes e hoje observam, por exemplo, que tipo de impacto as empresas exercem sobre a sociedade e o meio ambiente. Por isso, antes de tomar qualquer decisão, elas vão exigir cada vez mais que essas empresas tenham uma postura ética e responsável em diversos aspectos.
Quais são os dados mais impactantes da pesquisa sustentam essa percepção?
Sergio Menezes - Apesar do crescimento das compras online, a pesquisa mostra que as idas às lojas físicas no futuro próximo poderão continuar sendo a preferência entre os brasileiros, dividindo-se nas compras entre os grandes, pequenos e médios varejistas. A diferença é que vão buscar maneiras de reduzir seus gastos e até trocar suas marcas prediletas por outras de menor custo, uma vez que o cenário econômico, mesmo com o fim da pandemia, ainda não nos dá nenhuma certeza em relação ao futuro. As pessoas estão dando mais valor ao seu próprio dinheiro e hoje o foco das compras está no que é essencial. A aceleração da venda online e da tecnologia atual permite uma maior e melhor comparação entre os produtos, marcas e modelos, tornando a compra mais técnica e objetiva.
A mudança de hábitos de consumo veio para ficar?
Sergio Menezes - Muitas delas, sim. A pandemia trouxe mudanças radicais ao estilo de vida das pessoas, com as quais elas acabaram se acostumando e, mesmo com o fim da pandemia, passarão a adotá-las no seu dia a dia. Um dos melhores exemplos disso é a forma como grande parte dos brasileiros passou a se alimentar durante o home office, optando pelo delivery ou fazendo sua própria comida, em vez de se arriscar a ir para a rua e comer em um local fechado. Como muitos têm indicado que preferem continuar trabalhando em casa ou adotando um modelo híbrido, essa relação com a alimentação também passará por mudanças. E os restaurantes terão que se preparar para isso. Outro exemplo é que a casa se tornou o centro da vida das pessoas, impulsionando gastos para melhoria significativa do seu entorno familiar, dos seus equipamentos e da infraestrutura à sua disposição.
Em que setores a transformação se tornou uma exigência?
Cristiane Amaral - Isso ficou muito acentuado no setor de alimentos, mas outros como vestuário, calçados e acessórios também sofreram bastante. Antes, as pessoas compravam esses produtos pensando no que iriam vestir para o trabalho ou para ir a uma festa, por exemplo. Com a pandemia e a obrigatoriedade de a população permanecer em suas casas, isso mudou, pois são duas necessidades que deixaram de existir, além do fato de que as lojas passaram a ter um movimento muito menor do que antes. Isso levou muitos empreendedores a se reinventar, passando a vender outro tipo de produto e investindo pesado nas vendas online, e aquelas que já estavam com seus planos de transformação adiantados souberam tirar bom proveito disso. Outros simplesmente mudaram de ramo ou sucumbiram à crise e, infelizmente, foram obrigados a fechar as portas.
Como as empresas nacionais estão preparadas para os novos tempos?
Cristiane Amaral - O início da crise foi um momento complicado e difícil para todos, independentemente do tamanho da empresa. Algumas foram mais ágeis, outras estavam mais preparadas para qualquer adversidade, seja com dinheiro em caixa para suportar os períodos mais críticos da pandemia durante o fechamento do comércio, seja com um olhar voltado ao ambiente digital. Outras foram pegas de surpresa e, em pouco tempo, tiveram que tomar decisões drásticas, fechando lojas, enxugando custos de maneira radical, demitindo ou deixando de existir, como no caso das pequenas e médias, principalmente no comércio. Muitas empresas se adaptaram em tempo recorde e seguem implementando mudanças em seus modelos de negócios, revendo suas estratégias e investindo em tecnologia, pensando nos novos cenários e oportunidades que possam surgir, de certa forma contribuindo para que a economia não entre em colapso. Agora vem uma necessidade emergente de novamente ser ágil e transformador. Conforme retomamos o convívio social, existe um replanejamento necessário, quase on-line, e que precisa ser baseado em dados, com inteligência artificial e neurociência aplicadas, por exemplo, para transformar transações de venda em relacionamentos com o consumidor - mais exigente, mais consciente e que também segue tendo sua vida pessoal e profissional transformada por este novo momento.