Esclarecimento: depois da entrevista publicada, a Anfavea fez contato com a coluna para explicar que a intenção de Luiz Carlos Moraes não foi se referir ao aumento de preços, mas à falta de veículos.
Só no primeiro semestre, estima a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), a falta de semicondutores impediu a produção de 100 mil a 120 mil veículos no país. Nesta entrevista à coluna, o presidente da entidade, Luiz Carlos Moraes, diz que o problema só deve ser totalmente resolvido no segundo semestre de 2022, ou seja, será preciso esperar ao menos mais 12 meses. Pondera que a falta de semicondutores não é problema restrito ao Brasil e que as montadoras não têm como segurar repasses diante dos aumentos de custos em toda a cadeia, tanto de insumos quanto de dólar e energia. Diante da pergunta da coluna sobre as consequências desses aumentos de preço para o consumidor, Moraes fez uma sugestão inusitada, também relacionada à perda de produção:
– Ou adia a compra para 2022 ou vai para o usado.
Na "briga de pitbulls" entre montadoras e siderúrgicas, escapou a fera dos semicondutores?
Apareceu outro pitbull, e mais feroz. A falta de semicondutores é um problema global. No ano passado, houve muitas paradas na produção de veículos e, quando voltou com mais força, no quarto trimestre de 2020, a produção de semicondutores havia sido transferida para outros segmentos. Com o home office, cresceu muito a demanda para computadores, eletrodomésticos, jogos. Também houve aumento da automação industrial, com início da aplicação da internet das coisas. Quando a indústria automotiva mundial voltou, deparou com a falta de semicondutores. No mundo, isso pode significar perda de produção de 5 a 7 milhões de veículos. Para o Brasil, estimamos de 100 a 120 mil, só no primeiro semestre. No Rio Grande do Sul, vocês sabem bem, há o exemplo concreto de uma fábrica parada desde abril até meados de agosto (referência à GM de Gravataí).
Qual é a expectativa de normalização?
Temos um estudo que mostra que a estabilização se dará no final do primeiro semestre de 2022. Vamos ter emoção neste ano e no primeiro semestre do próximo. E não só no Brasil, em todo o mundo.
Infelizmente, a indústria não consegue suportar, tem de repassar para manter a saúde do negócio.
Os preços dos carros já subiram, vai piorar?
Com essa falta de produção por falta de semicondutores, o consumidor ou adia a compra para 2022 ou vai para o usado. É um movimento global. E também há aumento de preço do usado, consequência da menor oferta de novos. Em relação ao preço dos novos, temos aumentos de dólar, resinas plásticas, aço. Infelizmente, a indústria não consegue suportar, tem de repassar para manter a saúde do negócio.
E o preço vai mesmo baixar em 2022, com a esperada normalização dos semicondutores?
Se o aço baixar, se a resina baixar, se o semicondutor baixar, talvez tenha chance.
Como o Brasil já perdeu a Ford, diante dessas dificuldades há risco de novas perdas de montadoras?
A indústria mundial de veículos produziu 97 milhões de unidades em 2019. No ano da pandemia, caiu para 78 milhões. Existe ociosidade em vários locais do mundo, e nesse cenário novos investimentos serão destinados a países que sejam mais competitivos e tenham disponibilidade de insumos. Por isso, defendemos a redução do Custo Brasil o mais rapidamente possível para que as montadoras daqui tenham chance para brigar por esses projetos.
Mas existe risco real de novas saídas do Brasil?
O primeiro objetivo das montadoras é garantir novos projetos, novos modelos. Se não renova o portfólio, a unidade vai ficando desatualizada. Por isso, no primeiro momento, é preciso garantir novos investimentos. Se não fizer isso, a segunda hipótese pode acontecer. Sem novos investimentos, o risco aumenta.
Estamos muito atentos à questão da energia. Estamos considerando a premissa de que não haverá racionamento. Vamos passar por um momento complexo, mas passaremos. É um tema que está exigindo muito monitoramento.
Neste momento, em vez de cair, o custo Brasil não pode aumentar, com a proposta de reforma tributária?
O custo já é muito alto. Além do aumento dos insumos, o Brasil enfrenta a volatilidade do dólar, o aumento da energia e do gás, da taxa de juro. Isso indica que tema precisa de atenção. Até entendemos o trabalho do ministro da Economia para conter o teto de gastos, o equilíbrio fiscal. Mas é preciso reconhecer que temos um problema de custos no país. Alguns são causados pela pandemia e tendem a ser normalizar. Agora, estamos muito atentos à questão da energia. Estamos considerando a premissa de que não haverá racionamento. O que ouvimos é que 'vamos passar por um momento complexo, mas passaremos'. É um tema que está exigindo muito monitoramento.
As montadoras estudam aderir ao deslocamento do consumo no horário de ponta proposto pelo Ministério de Minas e Energia?
Cada empresa está analisando o que é possível fazer. O uso racional de energia é uma preocupação nossa de base, que agora ganha mais intensidade por conta do custo adicional.
Teria de deslocar o segundo turno da tarde para noite, o que traz mais custos, com o adicional noturno (...), não é algo que se faça de uma semana para outra.
Como seria, na prática, esse deslocamento nas montadoras, se agora o pico é à tarde?
Teria de deslocar o segundo turno da tarde para noite, o que traz mais custos, com o adicional noturno. E é um tipo de mudança que não de pode fazer de forma isolada, é preciso planejar com os fornecedores, não é algo que se faça de uma semana para a outra.
Voltando à reforma tributária, como o setor vê a proposta?
A reforma deve ser ampla. A unificação do imposto sobre o consumo não pode ficar limitada a PIS e Cofins. É preciso incluir o ICMS, um dos principais problemas que o setor produtivo enfrenta, com burocracia, débitos não aprovados, créditos tributários represados. A reforma deveria ser ampla, desde que tenha uma alíquota aceitável. Entendemos que a reforma está na direção certa, com redução tributária nas empresa compensada com tributação sobre dividendos, mas é preciso fazer calibragem das alíquotas para não aumentar a carga tributária. E como está, dependendo das empresas, aumenta.
Com o aumento das exportações, a quantidade de dólares que entra no Brasil deveria ter feito o câmbio ficar muito mais baixo. A diferença é a volatilidade causada por instabilidade política.
Há mais de um ano, seu diagnóstico era de que boa parte da alta do dólar vinha da instabilidade política, nos últimos dias esse diagnóstico se espalhou no mercado. O câmbio reflete a crise?
Você viu, o pessoal prestou atenção ao que eu disse. Continuo pensando da mesma forma, ainda mais agora. Com o aumento do volume total de exportações e os preços em alta do que o Brasil produz, como os do agro, a quantidade de dólares que estão entrando no Brasil deveria ter feito o câmbio estar muito mais baixo do que está agora. A diferença é a volatilidade causada por instabilidade política, pelo risco político, que não ajuda o setor de negócios. Com CPI e antecipação da discussão eleitoral, essa volatilidade aumenta.