Os debates sobre os jabutis da privatização da Eletrobras e sobre o risco de racionamento têm uma protagonista em comum, a Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livre (Abrace). A entidade reúne cerca de 50 grupos empresariais responsáveis por quase 40% do consumo de eletricidade e 42% do consumo de gás natural no país. Inclui indústrias chamadas de eletrointensivas, ou seja, que tem a eletricidade como um dos principais insumo, como siderúrgicas, produtoras de alumínio, cimento e ferroligas.
A Abrace liderou a resistência à aprovação de medidas paralelas à capitalização de uma das maiores estatais do país, apontando custo extra de R$ 56 bilhões e risco de aumento de tarifa entre 10% e 20%. Agora, apoia a tentativa de evitar racionamento ou apagão por meio do deslocamento da produção do horário de pico do consumo de energia no país, que mudou para o intervalo entre o final da tarde e o início da noite para a primeira parte da tarde. Daniela Coutinho assumiu a vice-presidência da Abrace neste mês, no meio desse turbilhão. Nesta entrevista, reforça que o setor é favorável à privatização da Eletrobras, mas o Congresso acrescentou "ineficiências e muitos custos" ao projeto original.
O que preocupa na privatização da Eletrobras?
A Abrace não é contra a privatização em si, ao contrário, sempre fomos muito favoráveis, porque representa a modernização do setor. O texto original era muito positivo, no sentido de tornar a empresa mais eficiente, o que é uma necessidade do setor. O problema é que, ao longo do processo de aprovação da MP no Congresso, foram inseridas ineficiências e muitos custos. Isso, no nosso entendimento, alterou a governança do setor. O planejamento energético saiu do ambiente técnico e passou para o político, o que trouxe custos.
Entre as muitas estimativas desses custos, qual é a da Abrace?
Há diversas formas de chegar a esses números, mas nossos cálculos foram apoiados por quase 15 outras associações. O tempo era muito exíguo, por isso reunimos os melhores técnicos para fazer a projeção. No nosso cálculo, o texto deve impactar os consumidores em R$ 56 bilhões, e os impactos na tarifa podem variar entre 10% e 15%.
O impacto pode ser, inclusive, maior, porque há várias formas de calcular, mas nenhuma apontou redução.
Como a associação vê alegação do governo de que, ao contrário, a tarifa vai baixar?
Não é a nossa constatação, segundo nossos cálculos e de todas as associações do setor. O impacto pode ser, inclusive, maior, porque há várias formas de calcular, mas nenhuma apontou redução.
A previsão de teto de R$ 350 no preço do megawatt -hora na venda da geração dos 8 mil megawatts de térmicas a gás previstos na MP pode funcionar?
Se vai funcionar ou não, não sabemos. Mas um dos argumentos do governo é de que serão substituídas as térmicas abastecidas com óleo diesel, que são mais caras. Mas já houve leilões em que se contratou energia suficiente para substituí-las, então não seria o caso. É preciso considerar que as térmicas previstas na MP ainda serão construídas, o que leva de três a cinco anos, ou seja são para o futuro.
A Abrace pretende fazer algo para impedir a aplicação?
A única medida que impediria a aplicação seria um veto do governo, mas não é provável que isso aconteça, até porque a forma de redação dificulta (a regra de capitalização da Eletrobras foi redigida no mesmo parágrafo que obriga instalar usinas que somam 8 mil megawatts, em 66 linhas de uma frase só, sem ponto – clique aqui para ver o texto aprovado – , mas vetos só podem ser feitos em artigos ou parágrafos, não trechos isolados). Então, acho que devemos nos preparar para o impacto econômico. E não vamos propor revisão depois da aprovação.
Não há dúvida de que o custo ficará elevado, porque será acionar todos os recursos que se tem. Não vejo risco de racionamento, mas não vamos escapar do aumento de custos.
Voltando às usinas a óleo, estão acionadas neste momento de crise hídrica, o que pressiona o custo?
Estamos passando por um grave crise hídrica, a pior dos últimos 91 anos. Mas hoje é uma situação diferente da de 2001. Temos um sistema de geração mais robusto, mais diversificado, com térmica, eólica, solar. Não há dúvida de que o custo ficará elevado, porque será preciso acionar todos os recursos que se tem. O governo está tomando as medidas necessárias para garantir atendimento seguro para todos. Não vejo risco de racionamento, mas não vamos escapar do aumento de custos.
Podem ocorrer restrições no sistema no horário de pico, que mudou em relação a 2001?
Existem maneiras de minimizar esse risco. A indústria entende, quer contribuir. Apresentou ao Ministério de Minas e Energia uma proposta para reduzir o consumo por algumas horas, de forma voluntária, em troca de compensação financeira. Uma das mudanças que poderiam ser feitas é no horário de ponta para fins tarifários da Aneel. Hoje é de 18h até 21h, mas a regra já permite flexibilizar, antecipar ou postergar em uma hora. Hoje, o consumo se concentra das 13h até por volta de 16h30min, e o principal responsável por esse novo pico é o ar-condicionado.
A indústria daria essa contribuição voluntária para reduzir a carga nos horário de pico, e as associações entram com assessoria para fazer a gestão de redução do consumo no horário de pico, que chamamos de reação da demanda.
Já se sabe quantas e quais empresas vão aderir?
O governo ainda está fazendo a análise, ainda está em discussão quando será colocado em prática. Prevê adesão voluntária, é de simples entendimento e fácil implementação. Ainda não foi definida a meta de quanta redução seria suficiente. É um processo liderado pelo ministério. A indústria daria essa contribuição voluntária para reduzir a carga nos horário de pico, e as associações entram com assessoria para fazer a gestão de redução do consumo no horário de pico, que chamamos de reação da demanda.
É preciso que seja rápido, porque o período seco apenas começou e a média nos reservatórios críticos já baixou de 30%?
Sim, quanto antes, melhor, preserva mais água nos reservatórios. Cada indústria tem seu planejamento, seu processo produtivo. Deixa de consumir energia, mas pode usar outro combustível, não precisa parar de produzir.
Caso haja racionamento, o mercado livre poderia ser forçado a cortar consumo?
Se o governo chegar a tomar essa medida, adotaria certamente algum processo para ambos os mercados. Caso venha a ter decreto de racionamento e se defina, por exemplo, 10% de redução compulsória, hoje é muito mais fácil de controlar do que em 2001. No mínimo, 30% da carga está no mercado livre e é monitorada em tempo real.