A rapidez com que o governo avançava na estratégia para privatizar Corsan, Banrisul e Procergs sem plebiscito até a aprovação na Assembleia foi substituída pela cautela, mas prazos legais pressionam o Piratini.
A regulamentação do Marco Legal do Saneamento, publicada em 31 de maio, tempera com a pressão o diálogo que o Piratini quer ampliar com prefeitos e deputados: exige que, até 31 de março de 2022, a Corsan já tenha aditivos nos contratos com os municípios, com metas e cronogramas da universalização do serviço.
Conforme o Marco Legal, até dezembro de 2033 será preciso garantir que 99% dos consumidores tenham água potável e 90%, coleta e tratamento de esgoto. A obrigação é dos municípios, poder concedente original, mas a manutenção da concessão do serviço ao menos para boa parte dos 317 das cidades que atende hoje vai definir a sobrevivência — ou não — da Corsan.
Quando anunciou a quebra da promessa de não desestatizar a companhia de saneamento, em março — portanto antes da definição dos prazos —, o governador Eduardo Leite havia afirmado que a capitalização ocorreria em outubro. Depois, passou a admitir que poderia ficar para o início de 2022.
Fabio Machado, sócio da área cível do escritório Andrade Maia, é um dos profissionais que têm se debruçado sobre as regras desse processo. Especialista em contratos públicos e privados e estruturação de operações societárias, alerta que Marco Legal não é um desafio só do ponto de vista do financiamento, principal argumento do Piratini para privatizar a Corsan:
— Além de investimentos pesadíssimos (a Corsan estima em R$ 1 bilhão ao ano, ou seja, quase equivalente ao aporte público em rodovias, anunciado como "histórico), são difíceis de fazer. Vai ser preciso mexer em todas as ruas, o que perturba a vida das pessoas, é politicamente sensível. Fazer saneamento no curto prazo é um enorme desafio. Todos querem a cidade saneada, é essencial, mas é difícil de fazer.
Além do prazo de março de 2022, ainda será preciso, detalha Machado, que a Corsan encaminhe às agência reguladoras, até 31 de dezembro deste ano, documentos que comprovem sua capacidade econômico-financeira de cumprir as metas em cada um dos municípios em que atua. Mas conforme a regulamentação, empresas que comprovarem processos de desestatização até 31 de janeiro de 2022 ficam dispensadas da comprovação de que são capazes de bancar os investimentos "pesadíssimos".
— Se der tudo muito certo, o governo vai conseguir autorização legislativa até o final do ano e, até 31 de janeiro, mostrar que está dispensada dessa comprovação. Para isso, terá ao menos de ter contratado as instituições financeiras para realizar o IPO (lançamento de ações). A exigência de ter os aditivos com os municípios se mantém.
Se conseguir cumprir todos os prazos, o Piratini ainda tem pela frente o desafio da capitalização. O plano é lançar ações, oferecê-las a investidores de forma pulverizada, ou seja, que não concentrem grandes fatias, e reter 30%. Segundo Machado, para aumentar o interesse o ideal seria já ter a solução dos aditivos com os municípios.
— Para o potencial investidor, se a Corsan já resolveu os aditivos, tem um valor. Se não, teria outro. Por isso, o timing (momento) do processo de desestatização é uma grande questão. Se for antes dos acordos com os municípios, pode não ser tão atrativa. Se for depois de 31 de março, pode ser mais abrangente.
O advogado pondera, ainda, que a informação da Casa Civil de que até o modelo de capitalização com manutenção de 30% de participação do Estado está em revisão faz sentido:
— O Estado sinalizou que quer continuar sendo um acionista de referência, então terá de definir quais prerrogativas e direitos pretende reservar. Para o investidor, uma coisa é deter controle e tomar decisões. Outra é fazer aporte quando outros dão as cartas. Uma das regras do Marco Legal é de que, se houver atraso imputável ao prestador de serviço em um município, não será possível distribuir lucros e dividendos para todos.