No país em que o descontrole da pandemia provoca temor no resto do mundo, nada poderia ser tão disfuncional quanto a gestão da saúde. Mas o impasse no orçamento alcançou um nível só comparável à ficção, algo como House of Cards.
As explicações para o impasse incluíram "macacos em Marte", e as tentativas de solução já passaram por uma "fuga do Brasil", ao menos temporária, tudo para preservar emendas parlamentares de caráter eleitoral, acima de compromissos fiscais e de alguma aparência de normalidade e republicanismo.
Nesta semana, começaram as obras de um puxadinho acima do teto, a melhor tradução para a proposta de emenda constitucional (PEC) que deve autorizar novas despesas extraordinárias, fora da regra do teto de gastos que o presidente Jair Bolsonaro havia se comprometido a manter em jantar com empresários na semana passada.
Na minuta da proposta que circula em Brasília e já foi apelidada de "PEC fura-teto" (expressão usada como acusação pelo ministro da Economia, Paulo Guedes), o conteúdo é legítimo e necessário para quadro de agravamento da pandemia no país: cerca de R$ 11 bilhões para sustentar a suspensão de contratos e a redução de jornada e salário dos trabalhadores, e outros R$ 7 bilhões para mais uma rodada do Pronampe.
O problema é a forma. Essas são despesas muito mais urgentes — desde fevereiro — e necessárias do que os R$ 26 bilhões adicionais em emendas parlamentares, que elevou o total a R$ 48,8 bilhões. E por que se chegou a esse nível House of Cards? Como disse o ministro Guedes, a nave chegou a Marte, mas "macacos" do Congresso, de sua equipe, do Planalto e da Esplanada desviaram a rota.
O resultado, agora, é que o Centrão, que vai controlar a CPI da Covid e, em decorrência, o futuro de Bolsonaro, simplesmente não aceita um veto ao orçamento, porque não quer que pareça erro apenas do Congresso. Foi dessa interdição que nasceu a descabelada hipótese de que Bolsonaro e o vice-presidente, Hamilton Mourão, deixassem o país para que a sanção do orçamento fosse feita pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Assim, o presidente evitaria a caracterização de um crime de responsabilidade.
A essa altura, até a intragável PEC fura-teto parece mais palatável. Assombrados, economistas com foco em finanças públicas advertem: a conta poderá vir em forma de aumento de impostos.