Em período de nervosismo no mercado financeiro, o presidente Jair Bolsonaro chamou para briga investidores e especuladores, aliados quase monolíticos desde o famigerado episódio da facada.
Na mais recente de suas tradicionais lives de quintas-feiras, criticou a reação negativa à sua frase do mesmo dia sobre o auxílio emergencial: disse que o mercado "fica irritadinho" por "qualquer coisa" e questionou se os operadores "sabem o que é passar fome" por avaliar a volta do benefício como aspecto negativo.
– E o pessoal do mercado, qualquer coisa que se fala aqui, vocês ficam aí irritadinhos na ponta da linha, né. Sobe dólar, cai a bolsa. Pessoal, se o Brasil aí não tiver um rumo, todo o mundo vai perder. Vocês também, pô – disse Bolsonaro.
Nesta sexta-feira (12), claro, a bolsa abriu em baixa e o dólar, em alta. E não pela provocação infantil, mas porque Bolsonaro, talvez em ato falho, acabou apontando exatamente o que vem inquietando não só o mercado, mais focado em ganhos de curto prazo, mas também economistas que miram horizonte mais largo: a falta de rumo do governo.
Na Presidência, Bolsonaro age como se ainda fosse deputado do baixo clero: é mais comentarista do que líder do processo de tomada de decisão. O Brasil discute o futuro do auxílio emergencial há pelo menos seis meses, desde agosto de 2020. Em setembro, Bolsonaro vetou o debate: proibiu que se falasse em Renda Brasil e diante de críticas à forma de financiamento, desistiu de seu substituto, o Renda Cidadã, sem se desgastar na busca de alternativas.
Diante da falta de definições, o Congresso ameaça repetir a estratégia de 2020 – quando subiu de R$ 200 para R$ 500 o valor do benefício, depois levado a R$ 600 pela Presidência – mesmo com dois aliados do Planalto no comando: se a solução não vem do Executivo, será criada no Legislativo. O recado do presidente da Câmara, Arthur Lira, foi claro na quinta-feira (12):
– Urge que o ministro Guedes nos dê, com sensibilidade do governo, uma alternativa viável, dentro dos parâmetros da economia como ele pensa e como a sociedade deseja. A situação está ficando crítica na população e precisamos encontrar uma alternativa.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, rebateu que a resposta estava pronta e poderia ser entregue no mesmo dia, mas só repetiu a necessidade de incluir uma "PEC de guerra" no pacto federativo. Como se sabe, isso levaria semanas, se não meses. Mas o próprio Bolsonaro afirmou que o pagamento do novo benefício deve começar em março, com uma frase que encolheu a alta na bolsa e fez o dólar subir pelo seu elevado grau de incerteza e pelo mês a mais em relação ao que já estava projetado:
– Com toda certeza – pode não ser – a partir de março, três, quatro meses.
O assunto já apareceu nos comunicados matinais do mercado. O da corretora Ativa, assinado pelo economista-chefe, Étore Sanchez, foi um dos mais explícitos:
"Apesar de Bolsonaro exigir patriotismo e dizer que o mercado fica 'irritadinho' com qualquer coisa, é preciso entender o nível da dívida brasileira e a dinâmica na qual se encontra. Assim é mais fácil de visualizar que os preços dos ativos simplesmente refletem a quantificação de eventuais e/ou prováveis descalabros fiscais".