A coluna pediu que três analistas gaúchos com diferentes focos respondessem "do que vai depender a recuperação prevista para o ano?". No último relatório Focus publicado pelo Banco Central, a expectativa de crescimento do PIB para este ano foi de 3,49%. Parece muito para um país que não tem dinâmica parecida com essa desde 2013. Mas ainda é pouco ao observar que a queda estimada para o "annus horribilis" de 2020 é de 4,4%. Ou seja, ainda ficaríamos "devendo" um ponto percentual apenas para repor as perdas da pandemia, sem contar o que ainda falta para retomar o patamar perdido na recessão de 2014 a 2016.
Todos consideram parte da reação garantida, especialmente no primeiro semestre, mas também apontam os riscos e os desafios para o Brasil ao longo de 2021. No radar de quem traça as perspectivas da economia para este ano, estão três palavras: vacina, inflação e dólar. Depende do comportamento dessas variáveis que a reação prevista não seja apenas manifestação de otimismo de fim de ano, como tem sido desde 2013 (será que completamos, enfim, os sete anos de vacas magras?).
Aod Cunha
Ex-secretário da Fazenda do RS
"O crescimento no primeiro semestre está dado, a não ser que ocorra um desastre, como um atraso muito grande na vacinação ou um tropeço na recuperação global. A reação de Ásia, Europa e Estados Unidos faz subir os preços das commodities (matérias-primas básicas, como petróleo e soja), o que ajuda o Brasil. Há o risco de um descontrole fiscal maior do que projetado, o que acentuaria a inflação e poderia fazer com que o Banco Central daqui tivesse de elevar os juros mais rapidamente do que lá fora.
No cenário atual e dentro da normalidade, o juro só subiria no segundo semestre, mas é um ponto que pode ter risco maior do que o mercado como um todo está vendo.
Para garantir a reação, o país não pode entrar no segundo semestre ainda com risco de fechamento de setores por índice de contaminação muito alto porque o calendário de vacinação ficou mais comprometido. Se houver uma terceira onda, a situação será bem diferente. No cenário atual e dentro da normalidade, o juro só subiria no segundo semestre, mas é um ponto que pode ter risco maior do que o mercado como um todo está vendo. O IPCA deve atingir 6% no acumulado em 12 meses no primeiro semestre, mas deve recuar no segundo. Há uma queda global acentuada no dólar que, se mantida, ajuda o Brasil. Toda vez que o cenário fiscal do Brasil piora, o real se desvaloriza mais do que outras moedas. Um grande risco é a perda do controle fiscal, se o Congresso aprovar medidas que gerem maiores despesas e não votar as reformas administrativa nem tributária. É necessário um sinal de que as reformas vão andar. Tenho esperança. Mas se nada ocorrer no primeiro semestre, o que faria andar no segundo? Aí, seria cético."
Ely José de Mattos
Professor da Escola de Negócios da PUCRS
"A recuperação econômica do país e do Rio Grande do Sul depende de três fatores. Primeiro, o ritmo da pandemia e o início da vacinação. O aumento de velocidade da atividade econômica está totalmente atrelado a nossa capacidade de conter a pandemia, pelo menos parcialmente, ao longo de 2021.
Teremos de lidar com níveis de pobreza crescentes e uma desigualdade brutal, que se originam da desestabilização do mercado de trabalho e da presença frágil do Estado na proteção social.
Em segundo lugar, tem o papel dos incentivos fiscais e monetários. A queda de instrumentos como o auxílio emergencial, por exemplo, representa um impulso a menos na recuperação. Diferentemente de União Europeia e Estados Unidos, nosso fôlego fiscal é curto, de modo essa realidade terá de ser enfrentada de qualquer modo. O terceiro ponto é o cenário externo. Esse tem bons indicativos, com vacinação já em andamento em vários países e retomada do preço das commodities. Além destes três pontos, teremos de lidar com níveis de pobreza crescentes e uma desigualdade brutal, que se originam da desestabilização do mercado de trabalho e da presença frágil do Estado na proteção social. Enfim, desafios não nos faltarão."
Patrícia Palermo
Economista-chefe da Fecomércio
"Uma parte significativa do crescimento que os números vão mostrar provém do efeito carregamento, um mero efeito matemático derivado da baixa base de comparação que é 2020. O que vai fazer a diferença de fato na recuperação econômica que vai ser sentida pela sociedade é a continuidade da flexibilização das atividades econômicas em 2021 - fundamental para que a ausência de estímulo público que esteve presente em 2020 seja compensada.
A conta de não fazer o urgente e o necessário sempre vem, e não é barata.
Mas para isso acontecer, a pandemia precisa estar sob controle e isso depende essencialmente da capacidade de o Brasil vacinar sua população. Terminamos 2020 com um ambiente externo favorável, um dólar mais fraco, commodities elevadas e com perspectivas de novas altas, taxas de juros muito baixas mundo a fora, e a vacinação já em curso em vários países. Isso aumenta o apetite por risco dos investidores, impulsionando o crescimento econômico no país, mas isso não pode reduzir o grau de priorização que devemos dar às reformas que aumentem a produtividade. A conta de não fazer o urgente e o necessário sempre vem, e não é barata."
Leia mais na coluna de Marta Sfredo