Presidente-executivo da Iguatemi Empresa de Shoppings Centers, Carlos Jereissati Filho comanda um dos maiores grupos do segmento, duramente atingido pelas restrições nas atividades para evitar contaminação em série. Ao contrário de empresários que veem criticamente o "abre e fecha" dos negócios, avalia que é melhor ter tido a oportunidade de funcionar por algum período, como ocorreu em Porto Alegre, do que ficar 120 dias sem atividade, como em Belo Horizonte e Salvador:
– O pior dos mundos é permanecer o tempo inteiro fechado – afirmou à coluna durante entrevista em que também anunciou o início das operações de um novo segmento, o Iguatemi 365, uma plataforma de e-commerce que se define como "marketplace premium".
Um dos maiores grupos do país no seu segmento, o Iguatemi Empresas de Shopping, está expandindo seu negócio digital, o 365, mas como estão as vendas físicas?
Atualmente, temos metade ou mais dos shoppings abertos e nós mantemos o mesmo patamar. Aceleramos a entrada do marketplace em outras praças porque percebemos que, mesmo com a reabertura dos shoppings em várias cidades, o pico que tivemos nas vendas online não recuou, foi mantido. E vimos também uma demanda muito interessante de lojistas. Logo, estamos ganhando uma base de clientes recorrentes.
Qual sua avaliação sobre o abre e fecha das lojas?
Acho muito mais correto do que permanecer fechado. Se você me perguntar se Belo Horizonte fez certo ou se Porto Alegre fez certo, vou dizer que Porto Alegre fez muito mais certo do que cidades que mantiveram restrições todo o tempo. E digo isso com muita segurança. O Rio Grande do Sul foi o Estado que criou a metodologia que permitiu uma abertura controlada e portanto, iniciou antes, quando todo mundo estava fechado. Porto Alegre abriu antes. Agora, por causa do inverno e, acredito, por essa maior disseminação do vírus, teve de fechar, mas ficou 60 dias com o comércio aberto. Capitais como Belo Horizonte e Salvador nunca abriram. Em São Paulo, ficou 90 dias fechado antes de abrir. Foi preferível, sim, fechar para melhorar o sistema de saúde, ter funcionado durante um período e, diante ao aumento de contaminação, voltar a fechar. Essa política foi muito mais acertada do que permanecer fechado o tempo inteiro. Em Belo Horizonte, ficou 120 dias sem comércio, e os casos estão subindo agora. Quanto tempo esse pessoal vai ficar fechado, sem nunca ter aberto? Quem consegue fechar 120 dias fechado e sobreviver?
O abre e fecha eleva custos?
É evidente que o ideal seria abrir e permanecer aberto, mas o pior dos mundos é permanecer o tempo inteiro fechado. Por mais que tenha um custo adicional, você atendeu seu cliente, teve tempo de atender por um período. A volta vai ser mais rápida do que o tempo que você poderia permanecer continuadamente fechado.
As pessoas se afastaram (dos shoppings) pela necessidade de ficar em casa, mas o comportamento, o hábito de se ver, continua existindo.
Qual é o futuro dos shoppings no período pós-pandemia, há alguma ameaça à sobrevivência do negócio?
Vou usar um português bem coloquial, acho isso uma bobagem. As pessoas esquecem que a pandemia não vai mudar o comportamento humano. Os shoppings no Brasil se tornaram grandes centros, as pessoas vão por várias razões, para comprar um presente, almoçar, ir ao cinema e ao teatro. É totalmente diferente do modelo americano, de shoppings suburbanos de consumo. No Brasil, estamos em zonas densas e centrais e temos movimento baseado metade em consumo e metade em outras atividades. É para onde estão indo shoppings do mundo inteiro que querem ser relevantes. O que faz as pessoas não irem ao shopping, atualmente, é a pandemia. Em Manaus, que voltou normal, o movimento está voltando. Em São Paulo, toda ampliação de horários tem gerado mais fluxo de pessoas. Na semana passada, abriram os restaurantes, com movimento bom. Isso mostra que as pessoas se afastaram pela necessidade de ficar em casa, mas o comportamento, o hábito de se ver, continua existindo.
Diante da incerteza, há previsão de normalização?
Acredito que nem os médicos saibam tudo. Estamos todos aprendendo, a doença é muito nova. No começo, falava-se que o índice de imunidade de rebanho seria de 60% e 70% da população, hoje talvez seja muito menor. Ficar em casa eternamente, sabendo que 80% das pessoas não vão ter nada (de sintomas da covid-19) é o pior dos mundos. Óbvio que teve a necessidade de fechar nos primeiros 60 dias, pois era necessário preparar o sistema público de saúde. Não se poderia combater esta doença sem passar por isso. Agora que o sistema está preparado, é possível, sim, fazer uma circulação segura. Se usarmos máscaras, lavarmos as mãos com frequência e mantivermos o distanciamento social, a chance de se contaminar é muito menor, e a velocidade de contágio também vai ser menor. Portanto, se precisar, você será atendido, não terá falta de atendimento médico. Isso está fazendo com que as pessoas voltem aos poucos. Quem agiu dessa maneira agiu mais corretamente.
O Rio Grande do Sul se mexeu, deu um gás para nós, enquanto vários outros Estados não deram nem esse fôlego.
No Estado, ainda há risco para o sistema de saúde e muitos se perguntam se algo deu errado. Qual sua avaliação?
O governo do Estado agiu certo quando parou para melhorar o sistema, quando foi o primeiro que criou uma metodologia transparente e clara de quais regiões poderiam retomar as atividades e por quê. Tanto é verdade que todos os Estados mais organizados seguiram essa metodologia das bandeirinhas. Está sendo aplicada em outros lugares, mas quem idealizou, criou e deu organização para esse modelo foi o Rio Grande do Sul. Essa iniciativa é inegável. O Sul do Brasil tem características diferentes, Santa Catarina também esta nessa situação. Abriu antes, quando todo o Brasil estava fechado, e também teve de voltar. Não dá para comparar só o Rio Grande do Sul, parece, sim, uma característica da região. Tem muita gente que permaneceu fechado quando poderia ter aberto. O Rio Grande do Sul se mexeu, deu um gás para nós, enquanto vários outros Estados não deram nem esse fôlego. Se olhar por esse prisma, a ação foi muito exitosa, pois essa pandemia não vai poupar ninguém, tem seu pico, é da natureza do vírus. Quando se olha de maneira intelectualmente honesta, o Estado foi, sim, um bom exemplo.
E se pode dizer o mesmo da gestão nacional da pandemia?
Ficou sem gestão nacional. O governo federal começou cuidando e tentando organizar, foi bem, pois deu o tom, o Ministério da Saúde se saiu muito melhor que o Ministério da Economia, inicialmente. Deu orientações do que e como fazer, com o ex-ministro Henrique Mandetta e organizou. Depois, tirando a distribuição de equipamentos, eles (governo federal) não têm mais nenhuma ação, deixaram que os Estados e municípios agissem por conta própria. Tem um erro no Brasil, que não corrigimos, que é esse modelo de União, Estados e municípios cuidarem cada um de um pedacinho da saúde, educação. O resultado é que nada funciona. Se houvesse uma divisão, com a União cuidando da saúde, os Estados, da educação, e os municípios, da segurança, teríamos uma organização melhor. Os outros poderiam até atuar como apoiadores, mas não deveriam ser quem define as políticas públicas. Cada hora é uma decisão, isso é muito ruim.
A indústria de shoppings é que forneceu capital de giro para o varejo nos primeiros 90 dias, não foi o governo federal.
Como grande empresa, o Iguatemi tem situação financeira sólida? Tem caixa para um longo período?
Sempre tivemos uma disciplina financeira muito grande. Todo mundo sofreu bastante, mas nos preparamos, temos tranquilidade de caixa para passar, embora sofrendo bastante. A indústria de shoppings é que forneceu capital de giro para o varejo nos primeiros 90 dias, não foi o governo federal, não foi ninguém, foi a própria indústria e sua cadeia produtiva que se resolveu. Fomos nós que, com a isenção de aluguéis, redução de condomínios, demos esse capital de giro. Agora, que estamos reabrindo, quatro meses depois, estão surgindo linhas de crédito para os varejistas menores poderem passar este semestre. Até então, todo financiamento inicial de capital de giro foi feito pela indústria. Isso não aconteceu em nenhum lugar do mundo. No Exterior, os shoppings não isentaram como fizemos aqui. Isentamos praticamente os primeiros 90 dias, isso não vai ser cobrado. Mostrou um compromisso com o nosso negócio. É óbvio que temos interesse de que o nosso negócio sobreviva, percebemos a necessidade de fazer isso. Só que, agora, outras fontes vão ter de financiar, também a indústria não consegue mais. Temos tranquilidade de caixa para chegar fácil até 2021 e passar disso.
A que atribui o fracasso da estratégia de crédito a empresas na crise?
O Brasil não é um país preparado para catástrofes naturais, não tínhamos essa experiência. Por exemplo, no México, que tem terremoto, furacão, sabe-se que áreas inteiras serão devastadas e o governo já tem políticas pré-definidas de como se repara. O Brasil teve de atrasadamente construir todos esses mecanismos, seja para chegar recursos nas pessoas físicas, seja nas empresas. Foi um aprendizado terrível. O da pessoa física chegou um pouco antes, o da pessoa jurídica agora começa a chegar, quatro meses depois. Isso mostra que não nos preparamos, mesmo assistindo a tudo que acontecia no mundo. A saúde se preparou um pouco, mas a economia foi pega totalmente desprevenida. Na área de crédito, só agora começo a ouvir notícias positivas, mas veio tarde. É muito necessário e, no primeiro momento, foi feito por nós mesmos. Chegamos a estudar uma outra forma de ajuda aos lojistas, a possibilidade de uma linha no BNDES, mas até hoje não saiu.