Não precisa ter bola de cristal para prever que a semana será tensa em Brasília. Depois que o presidente Jair Bolsonaro compartilhou um texto afirmando “fora dos conchavos, o Brasil é ingovernável”, a reação do Congresso foi rápida. Saltou de uma gaveta onde recentemente havia sido colocada a intenção de oferecer um projeto alternativo para a reforma da Previdência, que seria a principal entrega do novo governo. Ao justificar a iniciativa, o presidente da comissão especial da reforma, o deputado Marcelo Ramos (PR-AM), afirmou:
– Queremos proteger a pauta econômica da carga tóxica do governo.
É uma declaração pesada. Representa uma espécie de gota d’água no desgaste da relação com o Planalto, que havia sido atingida tanto pelos ataques de Bolsonaro à “velha política” quanto por sua escancarada falta de comprometimento com a reforma.
O presidente já pronunciou, em público, diferentes versões dessa frase dita em abril, na Confederação Nacional dos Municípios (CNM):
– Gostaríamos de não ter que fazer a reforma da Previdência, mas somos obrigados a fazê-la.
Agora, o objetivo declarado de um grupo de deputados, com apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é retirar protagonismo do Planalto na aprovação da reforma. Já que os parlamentares terão de arcar com os ônus – críticas do eleitorado – querem ficar também com os bônus.
Quem conhece os detalhes, tanto da tramitação da proposta quanto dos meandros do Congresso, encara com certo ceticismo a viabilidade de entregar, agora, um substitutivo que comece do zero. Durante o final de semana, não se avançou na descrição de como e de onde surgiria esse projeto alternativo. Nem técnicos que costumam ser consultados para montar propostas nessa área sabiam do que se trata.
Com a notável exceção da equipe econômica – uma das versões sobre a reviravolta na Previdência é de que Maia se aliaria ao ministro Paulo Guedes para levar adiante a agenda de reformas –, a exasperação parlamentar alcança nacos substanciais do núcleo político do Planalto. E o presidente não está desgastado apenas com o Congresso. O mercado financeiro, uma das âncoras mais significativas durante a reta final da eleição, dá sinais mais eloquentes de ter perdido a confiança na capacidade de Bolsonaro cumprir suas promessas.
Aos poucos, analistas começam a verbalizar publicamente o que, até uma semana atrás, era dito apenas de forma reservada. A divulgação da queda expressiva no indicador de atividade econômica do Banco Central, na quarta-feira passada, foi o gatilho desse movimento. Foi a desconfiança sobre a eficiência das reformas que levou o dólar a R$ 4,10 na sexta-feira.
O temor de volta à recessão, até dias atrás assunto apenas de especialistas, voltou às ruas. Essa pode ser a maior manifestação de ingovernabilidade.