O que nasceu como uma atividade de exploração econômica de comunidades desassistidas – venda de gás, instalações clandestinas de energia elétrica e TV a cabo e negociação de terrenos e barracos – acabou se confirmando como um poder paralelo no Brasil. As suspeitas de que milicianos estavam envolvidos no assassinato de Marielle Franco, em 14 de março de 2018, surgiram ainda da noite do crime. Eram um dos alvos da jovem vereadora do Rio de Janeiro, Estado mais exposto ao fenômeno.
Estudiosos relacionam a origem dos milicianos, na década de 1990, à aparentemente pacata Rio da Pedras, cidade no litoral fluminense. Essa tese está registrada no livro A Utopia da Comunidade: Rio das Pedras, uma Favela Carioca, organizado pelo professor da PUC-RJ Marcelo Baumann Burgos.
No espaço cedido pelo poder público ao se omitir na organização de uma área urbana, surgiu o poder paralelo. Depois, veio a cobrança de proteção para comerciantes, o domínio das vendas de produtos essenciais, como gás de cozinha, e a invasão de terras para cobrar pelo seu uso. Todas atividades muito lucrativas, que expandiram o alcance.
Esse era um dos focos de Marielle como assessora parlamentar na Assembleia Legislativa do Rio, que investigou a milícia no Estado em uma Comissão Parlamentar de Inquérito (cpi) na primeira década dos anos 2000. Uma das hipóteses apuradas na investigação foi a vinculação da morte a um grupo autointitulado Escritório do Crime – sinal de assumida institucionalização.
E apesar de todos os indícios de envolvimento de outra camada de bandidagem, houve surpresas na apresentação dos suspeitos de dirigir o carro que perseguiu Marielle na noite de 14 de março e de atirar contra seus ocupantes – também morreu o motorista Anderson Gomes.
Um dos presos, Ronnie Lessa, é vizinho de condomínio do presidente da República, onde o aluguel custa cerca de R$ 8 mil ao mês e a despesa mensal de manutenção chega a R$ 2,3 mil. Essa incômoda proximidade com o poder é mais do que simbólica. O outro preso, Élcio Vieira de Queiroz, havia sido homenageado pela Assembleia do Rio na década de 1990, quando as milícias estavam em plena formação. Foi expulso da PM em 2016. Como a bandidagem usual, a paraoficial precisa ser freada por asfixia financeira.