De um lado, o governo Bolsonaro quer partir da presunção de que o cidadão brasileiro é honesto e cumpridor de seus deveres. De outro, pretende fiscalizar com lupa todas as formas de arrecadação compulsória de entidades, como o Sistema S e até os conselhos profissionais que cobram de seus associados para registrar, fiscalizar e disciplinar atividades regulamentadas. A reforma do Estado prometida pelo presidente eleito será cumprida pela equipe econômica com medidas previstas para entrar em vigor dentro de 30, 90 e 180 dias – cobrindo apenas o período até o qual há expectativa de aprovação da reforma da Previdência.
Assim como o Sistema S, organizações como o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Federal de Economia – só para citar alguns exemplos – serão alvo de algumas das primeiras iniciativas. A falta de governança nessas entidades que têm autorização para arrecadar é malvista pelos novos gestores.
– Não queremos caixa preta no Sistema S nem em outros segmentos. Todos os que têm o privilégio de arrecadar
de forma compulsória têm de dar, em contrapartida, transparência e mostrar boa governança – disse à coluna um integrante da equipe do superministro Paulo Guedes.
As medidas dos primeiros 30 dias serão simbólicas, explica, da "visão diferente do Estado" que passará a vigorar a partir de 2 de janeiro, primeiro dia útil sob a nova administração.
Um dos objetivos é dar "sinal positivo para sociedade" e mostrar "confiança de que o cidadão é honesto e cumpridor". Os instrumentos legais já estão redigidos há mais de uma semana, e deve constar da famosa primeira edição do Diário Oficial da União do dia 2, sobre a qual há expectativa de que possa ter milhares de páginas. Boa parte terá de dar conta da reforma interna do governo e da nova estrutura administrativa, mas outra parte já vai apontar para a nova direção que não terá "dirigismo estatal tão grande".
– O presidente disse que quer tirar o Estado do cangote do empresário, e vamos fazer isso – afirmou o integrante da equipe de Guedes.
Além de ampliar o alcance da lei federal de setembro passado, que extinguiu a exigência de reconhecimento de firmas e autenticação de cópia de documentos – por enquanto, apenas para a burocracia relacionada ao serviço público – há intenção de encurtar os prazos para abertura e encerramento de empresas. Nesse caso, também valerá o princípio da presunção de honestidade e cumprimento dos deveres. Para conter desvios, a promessa é de que haverá "prazos para o poder público apontar erro grosseiro". A comparação é com o princípio da Justiça que proclama que, a princípio, todos são inocentes, até prova em contrário.
Outra inversão de foco é na relação entre o cidadão e os representantes do poder público.
A intenção é dar prioridade ao primeiro. Embora observem que há excelentes servidores
em Brasília, os integrantes da equipe de Guedes avaliam que, atualmente, regras e estruturas servem mais aos funcionários do que ao público. E estão dispostos a mudar
a relação. O desejo de mudanças se estende à Lei de Licitações, a famosa 8.666/1993.
Depois de tudo o que ocorreu na Operação Lava-Jato, ficou evidente que as regras não
são mais adequadas às necessidades do país.
Há uma proposta de modernização da 8.666 no Congresso, que também travou com o apagão do governo Temer. Um dos argumentos é de que o setor público já pode acessar um conjunto de informações sobre preços, via notas fiscais eletrônicas, que ajuda a coibir abusos nas propostas. Assim, a tecnologia seria um instrumento para coibir sobrepreços. Outra proposta é fazer novos formatos. Por exemplo, em vez de licitar a compra de pincel e tinta, poderia ser alvo de disputa o serviço de pintura. Há uma nova lógica no poder, que vai sacudir a forma como a economia brasileira operou até agora. Apertem os cintos.