Dois casos recentes de sucessão familiar quebram a escrita dos obstáculos a mulheres herdeiras. Gissela Colombo, que assumiu a presidência da Lojas Colombo, e Aline Eggers, que assume em 2019 o comando da Fruki, ainda são exceções. A consultora Claúdia Tondo, sócia da Tondo Consultoria e doutora em Psicologia, tem tentado estimular que o processo de decisão e de mudança seja mais suave, mas avisa que, no ritmo atual, o equilíbrio de gêneros na alta gestão só seria alcançado em um século.
Os casos da Colombo e da Fruki começam a mostrar alguma mudança no padrão das sucessões familiares?
O que mais mudou nos últimos 20 anos nas empresas familiares foi a relação dos pais com suas filhas mulheres. Um dos motivos é que quase todas as famílias tiveram alguma separação. Com isso, os pais perceberam que quem precisam educar para ser sócia é a a filha, não mais o genro. Quem só tinha filha mulher costumava recorrer aos genros no momento da sucessão. Isso mudou. A mudança na família teve consequências nas empresas familiares, porque houve uma instabilidade maior. Antes, o casamento era para sempre, descasar era um horror.
Em um dos casos, o da Fruki, a sucessora, Aline, trabalhou muito tempo fora da empresa da família. Isso ajuda?
Costumamos incentivar muito que as sucessoras se preparem muito e a experiência externa conta muito. Assim, conhecem o ambiente não tão protegido da família. É uma boa forma de profissionalizar mesmo, porque voltam com uma qualificação bastante importante para oxigenar a empresa da família.
Até pais e tios identificarem que uma mulher pode ser a sucessora, demora um bom tempo.
Além da mudança nas famílias, não há postura mais autônoma das mulheres em cobrar um papel nos projetos de sucessão?
A ambição feminina tem sido maior. Também há a questão da educação formal, mulheres estudam mais, no mundo todo, são maioria em estatísticas de graduação e pós-graduação. Então, isso dá uma consequência importante também. A necessidade de se realizar por meio do trabalho se tornou importante para as mulheres. Muitas viram suas mães sem trabalhar.
Na prática, o RS é mais machista do que outros Estados?
O que eu vejo é na prática, não tenho dado estatístico. Se existe uma mulher forte nos negócios na geração sênior, vai provavelmente ter filhas fortes. Quando não existe, é uma quebra de paradigma importante. Não são a primeira escolha. Vou dizer assim, que na minha prática, até os pais e tios identificarem que uma mulher pode ser a sucessora, demora um bom tempo. O mind set (padrão mental) deles não está preparado.
Isso ocorre só no RS?
Como temos clientes de Pernambuco a Montevidéu, o que vemos é que São Paulo é um pouco diferente. É mais exceção do que o Rio Grande do Sul. As pontas são parecidas. Rio Grande e Nordeste é mais parecido.
A expectativa inicial é de que elas não sejam tão boas, as pessoas se surpreendem muito quando as mulheres são boas.
O motivo é cultural ou pelo fato de São Paulo ter um ambiente profissional mais estruturado?
Em São Paulo, há mais oportunidades em muitos sentidos, educação, cultura e organização. Mas vejo, na prática, muitas mulheres destemidas hoje. Vejo muitos grupos de mulheres ligadas a negócios e isso ajuda bastante.
O que é ainda tão diferente entre uma mulher e um homem na administração de alto nível?
A expectativa inicial é de que elas não sejam tão boas, as pessoas se surpreendem muito quando as mulheres são boas. A primeira reação é de que ela está ali porque é filha do dono.
Quando é homem, também não é o filho do dono?
Também, mas as mulheres têm de mostrar que não estão no lugar errado. O objetivo desses grupos é falar sobre esses temas, trocar experiências, como foi passar o momento mais difícil, a organização da própria divisão de papéis familiares, em que as mulheres são mais cobradas. Quando a pessoa é alta executiva, não tem muito tempo. Esse universo é mais programado para o executivo homem.
Existe um custo na vida pessoal de ser executiva de topo. É uma conversa que temos com herdeiros em geral, mas com as mulheres o preço é, às vezes, mais alto.
Os grupos costumam entrar nesse aspecto de relações familiares?
São três esferas conectadas, a família, a empresa e a propriedade, ou sociedade. Conforme a fase do negócio, ou da família, um círculo toma mais importância em relação aos outros. Trabalha-se muito a governança familiar, além da governança corportativa. É como a família se organiza como empresária, até porque várias famílias vendem seu negócio e continuam empreendendo, podem investir provisoriamente em outros negócios.
Discutir o cumprimento da expectativa de papéis familiares é parte disso?
A sobrecarga das mulheres é enorme. Estava em Salvador com uma família que tem uma presidente de um grupo na área de combustíveis, petróleo, ou seja, nos últimos tempos, está enfrentando essa crise toda. Existe também a expectativa de que cuide dos irmãos, dos país. Poder falar sobre isso, para conseguir modular, por ser uma presidente, é importante. Existem muitas mulheres que não querem estar nessa posição porque não querem pagar o preço. Existe um custo na vida pessoal de ser executiva de topo. É uma conversa que temos com herdeiros em geral, mas com as mulheres o preço é, às vezes, mais alto.
Se continuar no ritmo atual, levaria de 80 anos a 100 anos para que tivesse um mundo mais equilibrado.
Por quê?
Muitas vezes, o marido não aguenta ter uma mulher que é mais do que ele profissionalmente, é difícil. Então, muitas vezes, as mulheres muito bem-sucedidas ficam sozinhas. Com os homens, é o contrário. Sucessão a gente tenta trabalhar também com a esposa, quando é um homem o sucessor, tem que trabalhar mais a esposa, do que quando é a mulher a sucessora, porque a mulher que chegou em uma posição de liderança, tende a ser mais independente. Com os homens, se é a mulher que não quer que ele seja o sucessor, vai ser bem difícil.
Como executiva, como vês o tempo de mudança dessa situação?
A gente estava vendo isso em um grupo em que se faz mentoria para mulheres chegarem em condição de conselho, tem índices absurdos de mulheres que ocupam posições de conselho. Se continuar no ritmo atual, levaria de 80 anos a 100 anos para que tivesse um mundo mais equilibrado. Tem reuniões em que participo e nem sou ouvida, isso mesmo enquanto consultora. Herdeiras sentem também, fica claro que têm de ser muito melhores, não basta ser média para ser valorizada. Tem de exceder bastante para ter esse lugar de meritocracia.
É possível reduzir esse tempo?
Trabalhar em projetos de desenvolvimento, apoio, grupo de iguais, programas de mentoria, trabalhar a própria família, enquanto família empresária. É um contexto de poder que esses temas não falados possam circular. Se continuar no ritmo atual, levaria de 80 anos a 100 anos para que tivesse um mundo mais equilibrado.