Reclamar ao bispo pode ser uma expressão de impotência, mas o Sindicato das Indústrias de Material Plástico do Nordeste Gaúcho (Simplás) elevou a hierarquia e, em 2015, resolveu levar uma queixa ao papa Francisco. Quase dois anos depois, ainda não desistiu. Presidente do Simplás, Jaime Lorandi, que se descreve como um "estudioso de encíclicas", não se conforma com uma específica, a Laudato Si', que condena o uso de plásticos, e tenta fazer o contraponto. Além do papo com o Papa, quer chegar à ONU.
Quando começou a articulação do Simplás?
Em julho de 2015, quando o papa Francisco escreveu a encíclica Laudato Si'. É algo social e ambiental. Apresenta orientações, conselhos que o Papa dá a pessoas de boa vontade sobre questões da vida moderna. Na época, apontou graves problemas. Também passou a orientar as pessoas a respeitarem o ambiente. Quanto menos a Terra for cuidada, mais impactos haverá sobre as pessoas, inclusive as mais pobres. Quanto melhor cuidarmos do ambiente, mais cuidaremos das pessoas humildes.
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E o que gerou a disposição de fazer uma ponderação?
A encíclica dá conselhos para reduzir o consumo de água e andar mais de transporte coletivo, por exemplo. E fala sobre evitar o uso de material plástico. Sou estudioso de encíclicas e empresário do plástico. Entendo quais são os benefícios e o quanto ajuda na qualidade de vida das pessoas mais humildes. Tem impacto menor sobre o ambiente.
Entendemos que a poluição ocorre por conta do descarte errado do plástico. Ao escrever "evitar o uso de material plástico", o Papa dava conselho contrário aos seus princípios. Se tomarmos ao pé da letra, (a recomendação do pontífice) prejudicaria ainda mais a vida dos pobres e teria mais impactos negativos no ambiente. A orientação da encíclica deveria ter sido diferente.
Como surgiu a ideia de escrever uma carta ao Papa?
Faço parte da Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast). Conheço encíclicas, plásticos e pessoas mais humildes. O setor de plásticos no país queria que houvesse alguma posição sobre a frase da encíclica. Meus colegas solicitaram que eu redigisse um artigo. A ideia era falar sobre a importância do plástico e sugerir que, em vez de evitar o uso, houvesse a redução do consumo excessivo de todos os materiais, além da separação e da escolha correta do destino para reutilização.
Acreditamos que esse seria o melhor conselho a ser dado. Escrevi o artigo em agosto de 2015. Sou católico e também faço parte de um grupo internacional de empresários cristãos. De setembro a novembro, redigi esse texto, de oito páginas, e comecei o envio pelas vias normais ao Vaticano. Mas o Papa recebe de mil a 2 mil cartas por dias. Poucas chegam de fato a ele. Há uma triagem.
E o que foi feito para que a carta chegasse ao Vaticano?
Em março de 2016, conversei com o bispo de Caxias do Sul, Alessandro Ruffinoni (nascido na Itália). Ele leu a carta, achou interessante, mas muito longa. Pediu para eu fazer cortes. Reduzi de oito para quatro páginas. O bispo leu outra vez, disse que enviaria ao papa Francisco em meu nome. Em abril do ano passado, o bispo me ligou e disse: "Jaime, vem aqui, tenho uma surpresa para ti". Ele me mostrou uma carta. Abri e vi que foi escrita por um cardeal em nome do Papa.
O texto dizia que a encíclica deveria ser interpretada como um comportamento que deveria ser aplicado com bom senso. Entendemos que o conselho de evitar o uso de plásticos significa afastar-se de algo mau, ruim. Só que os plásticos não são maus. A frase que pede para evitar o uso continua lá. Temos de entender que é importante que a carta tenha sido respondida. O Papa respondeu. Isso significa uma possibilidade de ir ao Vaticano, de tentar dialogar com a secretaria de Estado, para avançar no futuro.
O senhor chegou a ir a Roma?
Em novembro de 2016, havia um encontro com empresários cristãos no Vaticano. Na ocasião, discutiríamos a responsabilidade do empresariado na inclusão social de pessoas pobres. Era outro assunto. O bispo Alessandro me orientou: "Quem sabe você conversa com membros da secretaria de Estado". Poderíamos avançar para ter mais um diálogo (sobre plásticos). No Vaticano, me aproximei de pessoas próximas ao Papa na formação das encíclicas. Fui apresentado a um monsenhor brasileiro. Ele é um dos principais redatores dos discursos do Papa. Mostrei ao monsenhor nosso caso, nossa reivindicação. Ele foi muito acessível. Entendeu o fato, compreendeu a necessidade de haver um diálogo, e me apontou outro monsenhor, responsável por dialogar com setores internacionais.
Os dois me orientaram que o diálogo não pode ser feito de maneira pessoal, não pode ser feito somente por um presidente de um sindicato do Rio Grande do Sul. Uma encíclica é para todos os povos. Para dialogar com Vaticano e Papa, é necessária uma representação mundial. As portas do Vaticano ficaram abertas. O setor de plásticos vai ter de se unir e elaborar uma proposta respeitosa e realista. Mostrar a realidade dos plásticos e os benefícios para a humanidade.
Foi possível falar com o Papa?
Não. Na audiência no Vaticano, fiquei a 15 metros do papa Francisco. Mas o assunto na ocasião era outro. Sou católico e procuro manter racionalidade. Introduzi uma disciplina na UCS (Universidade de Caxias do Sul) chamada Empreendedorismo Cristão. Não é pregação religiosa. É sobre ética e moral para o dia a dia empresarial.
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Conforme o Simplás, a articulação pretende mostrar os benefícios do plástico para a sociedade. Quais?
Há o quesito ambiental. Quando se fala em plástico, a maioria das pessoas imagina o material no mar. Mas quem polui é o ser humano. Com plásticos, são fabricados excelentes produtos com pouquíssimos usos naturais e energéticos. Para embalar meio litro de água, é preciso uma garrafa de plástico que pesa 40 gramas, fabricada sob a temperatura de 200ºC. Para embalar esse mesmo meio litro de água, é necessária uma garrafa de 400 gramas de vidro, sob temperatura de 1.000ºC. A água fica mais barata.
Isso afeta o custo de vida das pessoas humildes. O plástico ajuda muito. O objetivo do diálogo é formar nova cultura de destinação correta dos resíduos plásticos. Queremos educação doméstica para separação do lixo. Isso também envolve o poder público.
Quais parceiros o Simplás busca para seguir com a articulação?
Em fevereiro deste ano, de volta ao Brasil, comecei a trabalhar no projeto. Conversei com a Abiplast, que me nomeou como articulador do diálogo em nome da entidade. A associação começou a conversar para ter apoio de outras instituições nacionais e internacionais. Isso foi em março.
Em abril, divulgamos informações para várias instituições internacionais. Até o momento, temos 13 entidades representativas do segmento de plásticos, seis nacionais, de países como Argentina, Alemanha e Itália, e outras continentais, como Aliplast (Associação Latino-americana da Indústria Plástica) e Euromap (que reúne fabricantes europeus de máquinas de plásticos). Existem centenas de associações no mundo.
O fato de a Braskem, uma das apoiadoras da articulação do Simplás, ser investigada na Operação Lava-Jato não abalou sua fé?
Não. São duas coisas bem diferentes. Não perco a fé. De jeito nenhum. Há a Braskem dos corruptos e a dos profissionais éticos. A Braskem tem 6 mil trabalhadores. Quem faz a empresa acontecer são pessoas honestas. Os corruptos fizeram negociatas com o poder político. Temos um claro discernimento. A Braskem como produtora de resinas plásticas é ética. A administração não foi ética. Minha empresa, em Farroupilha, é cliente da Braskem. Fiquei chateado por a cúpula do nosso principal fornecedor ter vivido isso.
O Simplás quer levar a pauta até a ONU?
Queremos chegar à ONU (Organização das Nações Unidas). A Abiplast tem contatos com a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). Essas organizações tem números. Mais de 90% dos alimentos são embalados em plásticos.