O temporal que castigava São Paulo prendeu Marta no aeroporto. A companhia aérea não informava. Ela conseguiu avisar a família do atraso. Acabou a bateria antes de pedir à secretária para cancelar a agenda.
Notou um colega que esteve no mesmo congresso. Sentou ao seu lado e pediu o celular emprestado. Quando devolveu, começaram a conversar. Para sua surpresa, só tinham afinidades. Tomaram um café. Horas depois, jantaram animados pelo bom papo.
Finalmente, o aviso de que voos só no outro dia. Distribuíram vouchers para um hotel próximo. Seguiam juntos, encantados pela conversa.
No corredor do hotel, Marta visualizou o crime perfeito. Se ficassem juntos, ninguém saberia. Culpou-se pela ideia absurda, isso não combinava com ela. E estava tranquila, sentia que ele não lhe proporia nada.
Quando ele abriu o quarto, ela, ao invés de seguir para o seu, em um impulso, entrou junto. Ele captou o gesto. Era como se tudo os levasse a isso, como uma predestinação.
Despertando-se no meio da noite, do sono e do encanto, acendeu-lhe o pânico. Como assim, uma mulher casada, nua, ao lado de um homem mais velho e casado? Ele estava acordado. Ao perceber a fragilidade de Marta, abraçou-a. Dentro do abraço, ela foi invadida por um conforto e um desejo de eternidade.
De manhã, trocando telefones, ele escolheu Bianca para pôr como número dela. Ela, brincando, o anotou como Bernardo.
Chegando em casa, não conseguia esconder da sua culpa que estava feliz. Ademais, seria uma aventura única.
Duas semanas após, foi a vez da audácia dele. O último paciente da agenda era Bernardo. Ela aceitou o encontro, desde que fosse a despedida. Foi a primeira de muitas despedidas.
O desconcerto de Marta era por amar dois homens. Jamais deixaria seu adorado marido, tampouco queria afastar-se de Bernardo.
Viam-se pouco. Com o tempo, tornaram-se mais amigos do que amantes. Ora ele sumia, ora ela sumia, mas sabiam que tinham um ao outro.
Ela nunca abriu seu segredo. Não partilhou as dúvidas, o prazer e a dor de ser Marta e Bianca.
Em um dia qualquer, Marta, hipnotizada pelo Instagram, encontrou uma nota da clínica de Bernardo. O pesar pelo falecimento de seu fundador.
A notícia matou Bianca.
Marta perdeu a fala, chorou por dias sem que ninguém soubesse o porquê. Burnout, disse o psiquiatra. Aconselhou a não trabalhar por uns meses.
Ela recuperou o gosto pela vida, ficou a saudade de ser duas.