Quando pensamos em um animal de pelúcia para crianças, é provável que nos venha à cabeça um ursinho peludo e simpático, um objeto macio para abraçar. Eventualmente, pode sair do universo da infância e virar presente de dia dos namorados.
Se uma máquina do tempo trouxesse um europeu dos primeiros séculos da nossa era, ele ficaria consternado, perguntando-se como o urso pardo virou um brinquedo. O urso era respeitado, admirado e imitado, ele era o rei dos animais. Muito mais que o atual leão, pois havia rituais e cultos onde ele era a figura central. O sacrifício do urso e beber seu sangue, que dava poderes mágicos, têm raízes no Paleolítico.
Pensavam o urso como o elo entre nós e os animais, o meio-termo entre um e outro. Talvez por viver em cavernas e oscilar entre o andar quadrúpede e bípede. Havia lendas sobre como ele raptava donzelas e tinha filhos com elas. O resultado da cruza saía na forma humana, mas a alma era ursina, eram guerreiros fortes e invencíveis.
Quando a religião católica chegou aos germanos, celtas e eslavos, uma das suas preocupações foi erradicar o culto ao urso e as festas relacionadas a ele. Comemorava-se o dia do início da hibernação, em 11 de novembro, e o dia da saída, este não tão preciso, dependia da região, mas era ao redor de 2 de fevereiro. O 11 de novembro era dia de excessos, bebedeiras, havia fogueiras, procissões, alguns vestindo pele de urso. Esta data tornou-se o dia de São Martinho, guardou da festa original apenas a procissão das luzes.
O urso foi demonizado. Santo Agostinho era claro: ursus est diabolus. Da guerra simbólica à guerra real foi um passo. O urso foi sistematicamente caçado. Que ele não tenha sido extinto é um milagre.
Somente ao redor do século 13 desapareceram as festas e cultos ursinos. Séculos antes, a figura do urso deixara de ser usada nos brasões de família. O leão ocupou seu lugar e, correndo por fora, a águia também servia para denotar nobreza e força. Então, o leão herdou o título de rei dos animais.
Não sei quanto dura esse reinado. Ainda vão implicar com o leão, um predador carnívoro, como não sendo um bom exemplo para ninguém. Talvez derrubem a monarquia e proclamem a república. Então o “presidente” dos animais seria por voto ou rodízio.
PS: para aprofundar-se no tema: L’ours – Histoire d’un roi déchu, de Michel Pastoureau. Infelizmente, não traduzido ao português.