Existe algo que só o envelhecimento traz, livrar-se das armadilhas do ethos presente. Em outras palavras, sair da idealização do conjunto de crenças e valores de um momento histórico.
Quando os cabelos perdem a cor, já testemunhamos a queda de salvações que nada salvaram, as promessas que não se cumpriram, as tendências que evaporaram. Mas também vivemos para ver mudanças que nos libertaram, novos valores que tornaram a vida mais leve e ideias que reinventaram a esperança.
Na maturidade, que não é garantida só pela idade, alcançamos a paz de não esperar dos homens aquilo que eles não são.
Deste ângulo percebemos o absurdo de julgar pessoas, ou fatos de outra época, com os valores atuais. Quando seria mais útil pensar, quais as maravilhas do presente que poderão ser condenadas no futuro. Sacando as manhas do transitório, conseguimos relativizar o que faz sucesso. Afinal, sabemos não viver o ápice da história humana, mas apenas mais um capítulo.
Nosso segundo nascimento existe, mas não faz aniversário. Ele acontece quando entendemos o mundo que nos coube. Algumas depressões na adolescência são justamente o pasmo frente a condição humana sem filtros. É o delicado momento em que jovens se perguntam se vale a pena viver. Eles sobrevivem a essa insuportável experiência de lucidez.
A ideia de que o mundo possa ao menos melhorar, renova a fé numa humanidade superior. Por isso, quando jovens, somos suscetíveis a acreditar que da vanguarda dos valores do presente - aqueles que se atritam com o estabelecido - viria a salvação deste mundo injusto e hipócrita.
Só pela ausência de perspectiva histórica, pessoas recém chegadas ao mundo, podem crer em certezas e pedir masmorra para quem pensa diferente. Quando o presente é assim inflacionado, a ninguém ocorre poder estar errado.
É isso que fez o psicanalista Winnicott alertar para a facilidade de arregimentar jovens para a função de superego da sociedade. Ou seja, insuflados, eles podem sentir-se profetas. Portanto, prontos a expor nossas mazelas e dirigir o caminho da cura da humanidade.
O drama se dá na dificuldade em transmitir a experiência. Cada geração tende a reinventar a roda da salvação. E quando levam em conta o passado, apegam-se a tradições que dão conselhos de ontem para os dias de hoje.
Na maturidade, que não é garantida só pela idade, alcançamos a paz de não esperar dos homens aquilo que eles não são. Sabendo que tropeçar nos é inerente, nos apaziguamos com a dor e a delícia da aventura humana.