Quando me perguntam quais os dez livros você levaria para uma ilha deserta, digo que estou mais preocupado em levar facão, fósforos, lona. E se fossem livros, algum sobre plantas comestíveis não convencionais, outro de sobrevivência na selva, ou ainda, um manual de como fazer repelente natural.
Claro que sei que é uma metáfora, a pergunta é sobre dez livros inesquecíveis, ou que mudaram minha vida, ou que me apaixonei sem saber o porquê. Minha birra é contra a praga de fazer hierarquias onde elas não fazem sentido - por isso respondo literalmente.
As listas pedidas não dão conta de como os livros, filmes, viagens realmente nos afetaram. São uma maneira preguiçosa e rebaixada de perguntar para saber de alguém.
Nada contra os números, aprecio matemática. Aliás, já aproveito para denunciar a numeroprimofobia, fora o 7 (pecados capitais, maravilhas do mundo antigo, sacramentos, etc…) ninguém os usa para listas. Já ouviram os 11 não sei o quê? Os 13 mais ilustres fulanos? Os 17 filmes imperdíveis? Meu ponto é o uso da matemática para numerar o imponderável.
O mesmo vale para o destaque entre pares, qual seu doce preferido? Quando penso, eles chegam juntos numa bandeja imaginária com ambrosia, mil-folhas, quindim, cocada, apfelstrudel. Cada um lembra de um momento da vida, de um lugar, de uma companhia, impossível nomear o favorito.
Outra clássica: você gosta mais de cachorro ou de gatos? Não faz sentido, são dois universos paralelos. Eu amo os dois de maneira distinta porque são absolutamente diferentes. Escuto como: você gosta mais de cenoura ou do planeta Júpiter?
E a matemática dos médicos. O doutor pergunta, de 1 a 10, qual a sua dor? Um paciente respondeu π. O doutor pondera, perto de 3,14, não é alta. O paciente contesta: sim, mas ela não acaba nunca, doutor.
Seguir a lista dos mais-mais vem do medo de ter opiniões próprias, é seguir a manada para ser aceito. Além disso, este espírito de pódio traz a lógica mercantil para o território íntimo, transformando a vida numa gincana por likes.
Aceitamos cravar uma escolha definitiva para esquecer do incômodo que é saber-se plural por dentro. Para tentar ancorar nossa mudança de estilos, de gostos, de afetos. Para esquecer os versos de Raul Seixas, que nos define como uma metamorfose ambulante. Forçar um ranking é como querer que o filme da nossa vida caiba numa só foto.