A história é conhecida. Porém, pela lição que nos traz, convém relembrá-la para os mais jovens. Especialmente nestes dias que o frio nos castiga.
Durante o verão, enquanto o calor ameniza as agruras da vida, as formigas forrageiam. Sábias, preparavam-se para o longo inverno que não tardaria a chegar. Sem provisões estocadas, a morte por fome e frio era uma certeza.
Enquanto isso, aproveitando o momento, a cigarra cantava sem parar. Seu canto preenchia a paisagem. Era a manifestação sonora da felicidade da natureza em seu esplendor.
As formigas, a boca pequena, comentavam entre si o desperdício de energia com tal cantoria. Sem se distrair, seguiam com sua faina incansável, enchendo a toca de tenras folhas.
Como a natureza é um ciclo, chegou o outono. A paisagem foi amarelando e caindo. Os ventos traziam ares gelados. O sol comparecia cada dia menos. Mais uns dias, a neve cobriu os campos e o sol mal dava as caras. Era o inverno inundando a natureza com seu inferno branco.
O inverno só conhece o ruído do vento. A paisagem ficou deserta. O hálito glacial da estação espantou a todos. Os animais estavam trancados em suas tocas. Os ursos dormindo nas cavernas, os esquilos nos ocos das árvores e as formigas descansando no subsolo.
Em um dia, ainda mais inóspito que os demais, as formigas ouvem uma batida na porta e depois uma frase.
- É a sua amiga cigarra. Disse ela em voz alta, competindo com o uivo do vento.
As formigas alvoroçaram-se. Resmungavam entre elas: não vamos dar nada para esta ordinária; dia após dia, nos esfalfamos trabalhando e essa vagabunda cantando ao léu. As formigas não conseguiam esconder o prazer de negar um favor para pregar sua lição de moral.
Uma delas, sem abrir a porta, perguntou: - o que você quer?
Queridas, queria me despedir de vocês. Gritou a cigarra.
As formigas entreolharam-se. Concluíram: ela sabe que vai morrer e veio dizer umas palavras. Não é tão leviana assim, ao contrário, é uma consideração para conosco. Então abriram a porta.
A cigarra entrou. Estava bem vestida, corada e feliz. As formigas não estavam entendendo. Então ela explicou:
- Estou indo para Paris. Sabe, conheci um produtor que me viu cantar. Gostou e quer me produzir no exterior. Estamos indo para uma turnê na França. Não podia ir sem dar um beijo em vocês.
As formigas ficaram pasmadas, não sabiam o que dizer. A mais velha de todas tomou a palavra:
- Eu ouvi bem, você vai para França?
- Sim. Respondeu a cigarra.
- Poderias me fazer um favor? Disse a formiga mais velha.
- Claro!
- Se por acaso você encontrar um senhor chamado La Fontaine, manda ele para o diabo que o carregue!
Moral da história: Nunca subestime o poder da arte. Ela não enche barriga, mas só seu canto esquenta o frio da alma.