Estava em Erechim na primeira semana após o falecimento do meu pai. Ajudava minha mãe com as minúcias do novo cotidiano e com a dificuldade radical: como ela teria que inventar um outro modo de viver. Não existe verdadeira elaboração do luto. A perda deixa um vazio irremediável. O que conseguimos é aprender a contornar o buraco que se abriu. Muitas vezes readquirindo o gosto pela existência, mas nunca sem muito sofrimento.
Toca o telefone. Atendo e perguntam: poderia falar com senhor Luiz Corso? Infelizmente não, respondo. Com a voz embargada, digo que sou o filho e que meu pai faleceu recentemente. Do outro lado volta a pergunta: e quem ficou responsável pela linha telefônica? Desliguei. Não fui educado, mas fiquei sem palavras.
Escrevo para me desculpar e explicar algo aos jovens que trabalham em serviços de telefonia. Talvez, pela juventude, eles ainda não saibam, e a companhia para a qual trabalham ainda não lhes ensinou: a morte é para sempre. Inclusive, é por isso que só se morre uma vez. E, por só se morrer uma vez, é um incidente grave, solene, dramático. E, quando este fato sucede, o mundo prático torna-se irrelevante. Portanto, a última coisa que alguém da família pensa é: quem ficará responsável pela linha telefônica.
Resumindo, dada a irreversibilidade do ato de morrer, os que ficaram estão tristíssimos, e aquele que partiu está sem possibilidade de aproveitar vossas maravilhosas ofertas de novos planos. Dado isso, o correto seria dizer: meus sentimentos, ou meus pêsames, ou, ainda, devem ser dias duros para vocês, falaremos em outra ocasião.
Um ano depois, visitando minha mãe, atendo ao telefone. A mesma conversa ressurge. Agora calmo, digo que não é polido ligar para os mortos. Explico que quem perdeu alguém é constantemente lembrado pelo objetos partilhados juntos, pelas memórias que voltam, da ausência do falecido. Portanto, o telefonema perguntando pelo finado é uma crueldade, um adicional de melancolia.
Comento o fato com minha mãe e ela responde que isso acontece a cada tanto. Ela me conta que já fez o que eles sugeriram para que parasse. Inclusive presencialmente, em uma loja da companhia, mas que nada surte efeito. Seguem ligando para o fixo oferecendo planos de celular ao meu pai.
Começo a ficar indignado, mas minha mãe me desarma com sua estratégia: "Como não acreditam em mim, depois de explicar mil vezes, resolvi dizer que ele está viajando e que não sei quando retorna". Ela ri enquanto fala, como se brincasse ao mentir para o telemarketing.
E neste pé estamos, quase 15 anos depois, minha mãe ainda recebe ofertas. A companhia talvez tenha criado o conceito de consumidor imortal e não nos avisou.
O que não consigo responder é quem ficou com a linha. Sei que fiquei com o silêncio de meu pai.