Um amigo primatologista, Leandro Jerusalinsky, costuma brincar quando o questionam se é verdade que o homem descende do macaco: "Claro que não! O homem não descende do macaco, que absurdo! Ele é um macaco. Aliás, uma das espécies mais agressivas".
Nossa herança primata é um incômodo. A decodificação do DNA só piorou. Antes, a hipótese do nosso parentesco, ainda que bem embasada, deixava dúvidas. Mas o que fazer quando sabemos que nosso DNA, o código que nos define, mapa da arquitetura de cada célula e de cada órgão de nosso corpo, bate em 98,7% de semelhança com o chimpanzé? Somos primos, é indiscutível. Há 5 milhões de anos tivemos um antepassado em comum.
Se as bases genéticas são semelhantes, como fica a suposta agressividade de origem biológica?
MARIO CORSO
O chimpanzé tem um bom departamento de marketing. Ele parece legal, deve ser pela Chita, amiga do Tarzan. Quem os estudou no seu hábitat não concorda. Matam filhotes de outros machos, emboscam e trucidam membros de outros bandos quando os encontram em menor número. Vivem numa atmosfera bélica constante e suas disputas internas podem terminar em morte. Sua sociedade é fortemente hierárquica para machos e fêmeas. Onívoros, alimentam-se de carne de outros macacos menores. Sabe-se de casos de bebês humanos devorados. Detalhe: não esperam suas vítimas morrerem para mastigar.
Enfim, ele é uma peste, salvo para quem idealiza a vida natural e os filmes de sessão das duas. Durante anos ele foi nosso protótipo natural, a justificativa biológica da nossa barbárie. Se o homem é o lobo do homem, seria porque nossa matriz animal provém de macacos briguentos como o chimpanzé.
Mas nada é simples. Na década de 30 do século passado, um cientista encontrou diferenças entre certos chimpanzés. Estudando melhor, descobriu os bonobos. Outra espécie de macaco, mais esguia e leve que os chimpanzés, traços que só se mostram para olhos treinados. A similaridade do DNA entre eles é de 99,6%. Portanto, mais um primo.
Porém, o comportamento dos dois não poderia ser mais avesso. Os bonobos não guerreiam e as fêmeas é que mandam no pedaço. Os machos, para terem prestígio, dependem de suas mães e são as fêmeas que circulam indo para outros grupos. Não são infanticidas, nem há mortes por disputa. Mas o mais interessante: eles resolvem tudo usando sexo como moeda da paz, tampouco fazem diferença entre afeto e sexo. Embora não sejam santos, perto do chimpanzé são anjos. Não por acaso, ganharam o apelido de hippies dos macacos.
Se as bases genéticas são semelhantes, como fica a suposta agressividade de origem biológica? O bonobo embaralhou as cartas. Vamos ter que deixar os genes de lado e encontrar outra desculpa para nossos ódios. Nestes tempos destemperados, quando você estiver se refocilando em ira, pronto para devolver o fel que julga que recebeu, pense que existe um macaco que lida com isso melhor que você.