Taiwan - Crie corvos e eles lhe comerão os olhos, diz o provérbio espanhol que Vladimir Putin parece desconhecer. O antes todo-poderoso czar russo demonstrou que tem os pés de barro ao ser confrontado com uma insurreição liderada por Yevgeny Prigozhin, dono de um exército de pelo menos 25 mil mercenários e monstrengo criado e alimentado diretamente por Putin.
O levante de Prigozhin enviou ondas de choque pelo planeta que chegaram também à China e Taiwan, onde sua presidente, Tsai Ing-wen, admitiu-me esta semana, em encontro com alguns jornalistas durante o Congresso Mundial de News Media, que há muitas lições do conflito ucraniano a serem extraídas pelo Leste Asiático. O terremoto militar e moral que abalou a Rússia evidencia que, nos planos em mapas ou pela imponência dos desfiles militares, todas as ambições parecem possíveis, inclusive tomar a Ucrânia em uma semana ou invadir e incorporar Taiwan à China sem maiores resistências. A realidade, porém, é bem distinta.
Não tivesse invadido a Ucrânia, Putin e seus oligarcas estariam agora curtindo o verão europeu em megaiates estacionados ao largo da Côte D'Azur. Acabaram se vendo às voltas com um maníaco sanguinário que desmoraliza há meses o outrora inabalável exército russo e seus comandantes. Embora a situação pareça controlada, Putin corre o risco de ser soterrado por quatro frentes simultâneas de crises: a desgastante guerra da Ucrânia, a firme resistência do Ocidente, a insurgência bélica de um ex-aliado e os devaneios de outros aspirantes ao cargo de czar.
São essas surpresas desagradáveis que servem de novo freio aos propósitos declarados de Pequim de anexar Taiwan. A ilha, que se tornou no fim da década de 40 um bastião contra a revolução comunista, produz a maior parte dos semicondutores do planeta, sobretudo os chips mais avançados. Se controlar Taiwan, a China controla por tabela a produção de quase tudo que depende de tecnologia - de automóveis a celulares, passando por aviões e indústria bélica.
Taiwan é agora o que o Kuwait era em relação ao petróleo há três décadas, mas estrategicamente multiplicado por 10. É por isso que não só os EUA mas a Europa, Austrália, Japão e Coreia do Sul formam uma aliança informal contra as ameaças da China continental. À primeira vista, a pacata e laboriosa ilha de Formosa, nome dado pelos navegadores portugueses em 1542, é uma presa fácil. Na prática, o regime de Pequim poderia, como mostra a Rússia de Putin, se defrontar com boicotes externos, confrontos militares, dissidências e insurreições que colocariam em risco a própria sobrevivência do regime. Prighozin não imaginava, mas virou um escudo involuntário para Taiwan.