O conflito na Ucrânia permitiu que o imprevisível chefe do grupo paramilitar Wagner, Yevgeny Prigozhin, surgisse como uma figura de destaque na Rússia, mas sua convocação de um levante contra o Estado-Maior do Exército regular ameaça interromper sua ascensão.
Nesta sexta-feira (23), este oligarca de 62 anos, de cabeça raspada e temperamento difícil, acusou o ministro de Defesa, Sergei Shoigu, de ter ordenado um bombardeio às bases do Grupo Wagner na retaguarda do front na Ucrânia, matando um "grande número" de mercenários.
Ato seguido, Prigozhin prometeu "conter" o comando militar de Moscou, lembrou que tem "25.000" combatentes à disposição e abriu as portas a "todos os que queiram" se juntar a suas tropas para "acabar com a desordem".
Pouco depois, esclareceu que sua intenção não era dar "um golpe de Estado", mas liderar uma "marcha por justiça".
Esse esclarecimento, no entanto, não pareceu convencer o Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB, na sigla em russo), que abriu contra ele uma investigação por "convocação de motim armado", uma acusação que poderia resultar em uma longa pena de prisão.
Mas nada é certo na vida de Prigozhin, um mestre da provocação e de reviravoltas inesperadas.
"Ainda é preciso entender o que está acontecendo", afirma a analista independente russa Tatiana Stanovaya, que considera provável que as autoridades "tentem tirar Prigozhin do jogo", com a participação ativa dele próprio.
"Para o FSB e o Estado-Maior, é como um presente que caiu do céu. Prigozhin vai levar um golpe, no mínimo", acrescentou.
- Posando na linha de frente -
Em maio deste ano, Prigozhin obteve sua consagração ao reivindicar a conquista da cidade de Bakhmut (leste), uma das poucas vitórias das forças russas, após meses de duros combates.
Entretanto, as tensões com o Estado-Maior se acentuaram durante a batalha de Bakhmut. Prigozhin acusou os militares de não fornecerem munições ao Grupo Wagner e publicou vídeos com ofensas aos comandantes russos.
Uma atitude inimaginável para qualquer outro indivíduo na Rússia, onde impera uma severa repressão.
Por anos, Prigozhin fez o trabalho nas sombras para o Kremlin, enviando mercenários de seu grupo privado a cenários de conflito no Oriente Médio e na África, mas sempre negando qualquer envolvimento.
Essa estratégia, no entanto, mudou com o início do conflito na Ucrânia, em fevereiro de 2022. Seus aparecimentos públicos começaram em setembro, quando o Exército russo sofria revezes sérios e humilhantes.
Prigozhin se apresentou pela primeira vez como o fundador do Grupo Wagner, uma milícia que, desde 2014, atuou na Ucrânia, na Síria e em países africanos.
Em outubro, instalou seus escritórios em um edifício espelhado e luxuoso de São Petersburgo, e começou a recrutar milhares de homens nas prisões russas.
A oferta feita aos condenados era lutar em troca de uma anistia, mas com uma advertência: os desertores e aqueles que se deixassem capturar seriam executados.
Quando circulou um vídeo de um suposto desertor do grupo sendo morto com golpes de marreta, Prigozhin não hesitou em elogiar o crime e classificar de "cão" o homem executado.
"Não bebam muito, não se droguem, não estuprem ninguém", disse também a um grupo de prisioneiros que havia lutado por seis meses e recuperado a liberdade.
Ao contrário dos generais russos, criticados por não comparecerem pessoalmente às batalhas, Prigozhin posou orgulhoso ao lado de seus mercenários, supostamente na linha de frente.
No início do ano, publicou uma mensagem do cockpit de um caça Su-24 e desafiou o presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, para um duelo aéreo.
"Se você quiser, nos vemos nos céus. Se vencer, você fica [com Bakhmut]", afirmou.
O próprio Prigozhin esteve preso na Rússia por quase uma década no fim da era soviética, e depois passou a vender cachorro-quente em São Petersburgo, antes de ir subindo até chegar às altas esferas como empresário do setor de restaurantes e catering.
* AFP