Prezados cidadãos da Ucrânia
Escrevo-lhes desde Haia, na Holanda, sede do Tribunal Penal Internacional e onde, por obra divina ou justiça terrena, o ditador russo, Vladimir Putin, e cúmplices um dia hão de ser julgados. Daqui, tento explicar-lhes que a posição do presidente do Brasil na Guerra da Ucrânia está longe de representar a de todos os brasileiros. Quando muito, ecoa alguns apoiadores e uma parcela de seu governo, no qual também há certo embaraço com falas como a de que "quando um não quer, dois não brigam" e que a Ucrânia "não pode querer tudo". Nosso presidente sonha com algum protagonismo no conflito, mas por ora só colheu reprovação e constrangimento, mais ou menos como quando quis mediar um acordo nuclear com o Irã em 2010 e nos fez passar vergonha.
Estive aí com vocês em Kiev duas vezes, a primeira delas em 1991 para cobrir a independência ucraniana, e sei o quanto vocês batalharam para poderem se livrar do jugo soviético e da arrogância russa para construírem um país independente, democrático e orgulhoso de sua cultura, língua e história.
Aqui em Haia, em outro tribunal, a Corte Internacional de Justiça, que fica no Palácio da Paz, um dos mais belos prédios da Europa, há um busto do grande brasileiro Ruy Barbosa. No Brasil, ele é chamado de Águia de Haia por seu papel na conferência de paz de 1907, quando fez prevalecer o princípio de que a cada país deve caber um voto e não conforme a força de suas armas ou a tonelagem de suas marinhas mercantes, como até então.
Na prática, a tortuosa diplomacia de nosso atual presidente contraria os esforços de Ruy Barbosa e endossa uma guerra de conquista do mais forte contra o mais fraco. Nosso presidente gosta de analogias de quinta série para se fazer entender. Então, aqui vai mais uma. O que o professor Lula sugere é que o colega menor que não deu sua merenda ao valentão da turma tem culpa na briga. E que todos os outros professores que tentam ajudar a vítima estão errados porque deveriam deixar o valentão ficar com ao menos parte da merenda.
Nosso presidente faz lembrar a desastrada ação do primeiro-ministro britânico Neville Chamberlain que, em 1938, trocou um acordo com Hitler pela cessão da Região dos Sudetos, pertencente à Checoslováquia, à Alemanha, tal qual Lula sugere agora à Ucrânia. Como bem se sabe, Hitler não foi saciado e desencadeou a maior tragédia da história recente, enquanto Chamberlain passou para a história como um político ingênuo.
Prezados ucranianos, diante do sacrifício de vocês para conter a barbárie e a sanha de Putin, não se deem sequer ao trabalho de se indignar com o presidente do Brasil. Apenas não o confundam com o povo brasileiro, amante da paz mas também da justiça.
Slava Ukraini!