Sou um apreciador das entrevistas com o ministro da Saúde, o cardiologista Marcelo Queiroga, mas não exatamente pelas objetividade das respostas. Acompanho as falas do ministro para admirar a refinada arte do contorcionismo para preservar suas convicções e reputação, enquanto se esforça para não arranhar as obsessões de seu chefe no combate ao coronavírus.
Em geral, as entrevistas exploram contradições entre as posturas de Queiroga e Bolsonaro, como o desdém presidencial a ser vacinado, usar máscara e manter distanciamento. Nas respostas, sempre em tom educado e cordial, outra abissal diferença em relação ao presidente, o ministro se mostra um Houdini – o mestre da escapologia - diante das armadilhas à frente. À frequente pergunta sobre a determinação do presidente para que o ministério estude a desobrigação de máscaras para quem já tenha sido vacinado ou contaminado, o ministro se desvencilha: “Estamos estudando”. Já se vão lá quase dois meses da orientação presidencial e, diante da provável nova onda de contágios pela variante delta, o ministério, felizmente, segue estudando, estudando, estudando.
Xiitas à esquerda e à direita não gostam do ministro. Entre os que têm repulsa por qualquer um que sirva Bolsonaro a menos de 1,5 metro de distância, Queiroga é visto como colaboracionista de um governo perverso. Entre os radicais de direita, o ministro apanha pela moderação e pela forma diplomática com que dribla as doidices negacionistas. Na realidade, goste-se ou não do ministro, ao se manter fiel à ciência e ao esforço de obter o máximo de vacinas no mínimo de tempo, Queiroga tem sido decisivo para salvar vidas de brasileiros e para repor alguma racionalidade aos estoques rarefeitos do Planalto.
Em um dos lances mais humilhantes da crise, por exemplo, ouviu-se o agora ex-chefe da Casa Civil, o general da reserva Luís Eduardo Ramos, confessar que tomou vacina escondido – naturalmente para não ferir as suscetibilidades de um chefe de Estado que até hoje não pôs os pés na Fiocruz, uma exemplar instituição federal que já produziu quase 80 milhões de doses contra a covid. Enquanto isso, Queiroga valorizou o popular e simpático Zé Gotinha, amaldiçoado por bolsonaristas que o associavam a governos do PT, e faz questão de, sempre que possível, vacinar ele mesmo colegas de ministério em cerimônias públicas.
A favor do ministro, conta também o contraste com seu antecessor, um neófito que fazia previsões mirabolantes e se orgulhava de cumprir ordens desconexas de Bolsonaro. Aos poucos, Queiroga vem desativando as bombas-relógio deixadas no ministério, demitindo dirigentes suspeitos e, com discrição, recuperando parte do esforço desperdiçado pelo governo para a vacinação em massa. Nas atuais circunstâncias, já é uma mágica e tanto.